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20190129

Xanana Gusmão: Manifestação de preocupação com a inação do Ministério Público na defesa dos interesses do Estado e na sua instrumentalização para fins partidários

Digníssimo
Senhor Procurador-Geral da República
Dr. José da Costa Ximenes
Procuradoria-Geral da República
Rua de Colmera
Díli, Timor-Leste

Assunto: Manifestação de preocupação com a inação do Ministério Público na defesa dos interesses do Estado e na sua instrumentalização para fins partidários

Senhor Procurador-Geral da República,

No passado mês de dezembro de 2018, fui destinatário de uma notificação emitida pela Digníssima Procuradora da República, Dra. Lídia Soares, que exerce funções no Gabinete Central de Combate à Corrupção e Criminalidade Organizada.

Através da referida notificação, a Senhora Procuradora da República solicitou-me que prestasse autorização para que o Senhor Francisco Kalbuadi Lay se deslocasse aos serviços do Ministério Público para ser inquirido no âmbito de um processo de inquérito em que o mesmo surge como suspeito da prática do crime de branqueamento de capitais.

Como seguramente não deixará de compreender, a solicitação que me foi dirigida pela Senhora Procuradora da República Lídia Soares gerou simultaneamente sentimentos de perplexidade e de indignação.

O sentimento de perplexidade resultou do facto de constatar que, decorridos que estão quase dezassete anos sobre a data da restauração da nossa soberania nacional e depois de investidos muitos milhões de dólares americanos na formação dos magistrados do Ministério Público os mesmos continuam a espraiar uma grave ignorância e um perigoso desconhecimento da lei que vigora na nossa Pátria.

Como tive ocasião de esclarecer no ofício de resposta que dirigi à Senhora Procuradora da República Lídia Soares, enquanto Conselheiro de Estado, Presidente do Congresso Nacional de Reconstrução de Timor-Leste ou cidadão da República Democrática de Timor-Leste não disponho da prerrogativa de dar ou recusar assentimento à inquirição do Senhor Francisco Kalbuadi Lay, ou a quem quer que seja, pelos serviços do Ministério Público ou por qualquer órgão de polícia criminal ou instância judicial.

Tenho a profunda convicção de que no Estado de Direito Democrático, a cuja construção tenho dedicado uma parte muito significativa da minha vida, ninguém está acima da lei e todos os cidadãos estão sujeitos a um dever de disponibilidade permanente para responder perante a justiça pelas ações ou omissões de que sejam responsáveis e que violem o nosso ordenamento jurídico.

É pela profunda convicção que tenho sobre a necessidade do nosso Estado se alicerçar no Império da Lei que não pude deixar de me indignar com a notificação que me foi dirigida pela Senhora Procuradora da República Lídia Soares. Com efeito, existindo dúvidas ou questões a serem esclarecidas pelo Senhor Francisco Kalbuadi Lay, ou por qualquer outro dirigente do meu partido ou de qualquer outro partido, deverá este apresentar-se perante o Ministério Público, desde que a Senhora Procuradora da República promova as diligências e cumpra as formalidades que se encontram estabelecidas para esse efeito.

No entanto, a insistência, o zelo e o especial empenho com que os serviços do Ministério Público têm molestado o Senhor Francisco Kalbuadi Lay, revelam que os Senhores Procuradores da República não são movidos pelo interesse em realizar justiça, mas apenas pelo interesse de interferir na dinâmica política do Estado, influenciando-a a favor de certos grupos políticos.

Só à luz de motivações partidárias e da instrumentalização do Ministério Público para fins políticos constitucionalmente pouco legítimos se poderá compreender a divulgação, através da Presidência da República, da alegada existência de investigações/inquéritos promovidos contra cidadãos timorenses cuja nomeação, para cargos no VIII Governo Constitucional, foi proposta por Sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro a Sua Excelência o Senhor Presidente da República.

Face às certidões exaradas pelo Senhor Juiz-Administrador do Tribunal de Distrital de Díli, e que confirmam a inexistência de processos judiciais de natureza civil ou criminal a correrem pelos tribunais judiciais contra as personalidades em questão, todas do meu partido político, não há como deixar de concluir que a informação divulgada pela Presidência da República só poderá respeitar a inquéritos criminais que, porque o são, estão sujeitos ao segredo de justiça, convertendo a divulgação de tal informação na prática de um crime de violação do segredo de justiça, previsto e punido pelo artigo 291.o do Código Penal.

Seria expectável que perante uma tão clamorosa evidência da ocorrência de um crime que serviu para a concretização de um indigno ataque de caráter a um conjunto de cidadãos timorenses e para a sustentação de uma injustificável limitação dos seus direitos políticos, impondo-lhes uma condenação sem prévio julgamento e direito de defesa, o Ministério Público instaurasse o competente inquérito para a investigação dos responsáveis pelo cometimento do referido crime. No entanto, o Ministério Público, superiormente liderado por V. Excelência, optou por ficar inerte.

Porque razão ficou o Ministério Público inerte perante tão clamorosa violação do segredo de justiça? Quem pretende o Ministério Público proteger e porque razão?

A dissipação de quaisquer suspeitas sobre a eventual instrumentalização do Ministério Público por alguns grupos partidários para fins políticos, exige também que V. Excelência, enquanto responsável máximo daquele organismo, esclareça que diligências ordenou para a defesa dos interesses do Estado face às irregularidades detetadas pela Câmara de Contas do Tribunal de Recurso, no âmbito da auditoria financeira que realizou à Região Administrativa Especial de Oe-Cusse Ambeno/ Zona Especial de Economia Social de Mercado.

Os factos apurados no âmbito da aludida auditoria financeira pela Câmara de Contas, e que constam do relatório que da mesma foi produzido e que foi aprovado por acórdão judicial já transitado em julgado, revelam a existência de graves irregularidades em matéria de gestão financeira e dos processos de aprovisionamento conduzidos pelos responsáveis da Região, as quais se traduziram em prejuízos para o Estado/RAEOA/ZEESM que ascendem a dezenas de milhões de dólares americanos.

A factualidade descrita no relatório da auditoria financeira encontra-se rigorosa e objetivamente documentada, não se vislumbrando que diligências adicionais se revelarão necessárias para que o Ministério Público possa promover os competentes processos judiciais para a efetivação da responsabilidade financeira das individualidades que são identificadas no referido relatório.

Pretenderá eventualmente o Ministério Público exonerar de responsabilidades as personalidades que foram identificadas como autoras da prática de ilícitos financeiros por via da prescrição dessa responsabilidade?

O silêncio e a inação do Ministério Público na defesa dos interesses do Estado, que por lei lhe incumbe defender, lançam sobre a sua magistratura um grande manto de suspeita em torno das suas motivações e da sua permeabilidade a interesses partidários, o que degrada a confiança dos nossos cidadãos nas instituições da justiça.

Nenhum cidadão, independentemente da sua condição social ou habilitação académica, consegue compreender porque razão se empenha tanto o Ministério Público na perseguição a responsáveis políticos do CNRT que praticaram irregularidades de gestão cujo eventual prejuízo para o Estado é de pouco mais de mil dólares americanos e ao mesmo tempo não atua na punição dos responsáveis políticos da FRETILIN que na RAEOA prejudicaram os interesses do Estado e do Povo em dezenas de milhões de dólares ou que no VII Governo Constitucional aprovaram uma transferência do Fundo Petrolífero de 70 milhões de dólares sem que autorização para esse efeito tivessem obtido do Parlamento Nacional.

Encontrar-se-ão, eventualmente, os responsáveis políticos da FRETILIN a coberto de uma qualquer imunidade, não prevista pela Constituição ou por lei, que os exime de responsabilidade ou que impede o Ministério Público de cumprir, quanto àqueles, a sua missão?

Para que a justiça possa ser respeitada, torna-se imperativo que os cidadãos compreendam a racionalidade da sua aplicação e os critério das decisões que as suas instituições adoptam para o cumprimento dos respetivos mandatos constitucional e legal. No entanto, a atuação do Ministério Público é opaca não sendo claros, aos olhos do nosso Povo, os princípios que norteiam a sua atuação e a atuação dos seus agentes.

Impõe-se, pois, ao Senhor Procurador-Geral da República que esteja à altura das responsabilidades em que foi investido e que clarifique publicamente as razões que motivam os magistrados do Ministério Público a encetar uma feroz perseguição aos dirigentes e responsáveis políticos do CNRT, contra os quais não há factos que firmemente sejam reconhecidos por decisão judicial como ilícitos, enquanto se abstém de promover a responsabilidade financeira e (eventualmente) penal dos responsáveis políticos da FRETILIN que hajam praticado as irregularidades financeiras identificadas no relatório da auditoria financeira da Câmara de Contas do Tribunal de Recurso à RAEOA/ZEESM ou que hajam autorizado ou executado o levantamento de 70 milhões de dólares do Fundo Petrolífero sem a autorização do Parlamento Nacional.

A bem das instituições judiciais e da nossa democracia, aguardarei com expectativa que V. Excelência, Senhor Procurador-Geral da República, preste ao nosso Povo os esclarecimentos às questões e dúvidas que através da presente missiva lhe dirijo, ciente que estou de que não pretenderá contribuir para a total descredibilização do Ministério Público que atualmente lidera.

Atentamente.

_________________________________
Kay Rala Xanana Gusmão
Presidente

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