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A MULHER NA SOCEDADE E NA IGREJA (Um contributo para a Reflexão sobre a Dignidade da Mulher)
Forum Haksesuk, 7/3/2016
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Por: Dom Carlos Filipe Ximenes Belo
1 – Um pouco de história
Comemora-se no dia 8 de
Março o Dia Internacional da Mulher.
Esta data foi estabelecida
pela Organização das Nações Unidas em 1975. Este evento teve a sua origem na
manifestação feminina por melhores condições de trabalho nas fábricas e,
direito de voto, nos inícios do século XX, na Europa e nos Estados Unidos. A
data foi adotada para lembrar tanto as conquistas sociais, políticas, económica
das mulheres como as discriminações e as violências a que muitas mulheres estavam
sujeitas em todo o mundo.
A 8 de Março de 1857, em
Nova Iorque, as operárias da fábrica de vestuário e indústria têxtil foram
protagonistas de um protesto exigindo melhores condições de trabalho e aumento
de salários. Muitos outros protestos surgiram nos estados unidos e na Europa.
No velho continente, com o avanço da industrialização, multiplicam-se as
fábricas e indústria em vários países. Foram recrutados não só homens
provenientes das aldeias, como também mulheres e crianças que deixavam as suas
terras, para ganharem o pão trabalhando nas fábricas. As condições de trabalho
eram miseráveis, o horário era de 12 a 14 horas de trabalho durante os seis
dias da semana; os salários eram baixos. Tudo isso exigia uma mudança na
legislação laboral e na política de trabalho.
Em 1910, em Copenhaga
ocorreu o 1º Congresso Internacional de Mulheres, dirigido pela Internacional
Socialista. O Dia Internacional da Mulher foi proposta por uma senhora alemã,
Clara Zetkin (1857-1933) em 1910, no 2º Congresso Internacional de Mulheres
Socialistas. Ao longo da primeira metade do século XX, foi-se criando uma maior
consciencialização quanto à dignidade da mulher e dos seus direitos sociais,
políticos e económicos. Assim, em vários países democráticos, a igualdade de
género estava consagrado nas Constituições.
A Declaração Universal
das Nações Unidas promulgada em 1948 veio estabelecer os direitos do Homem e da
Mulher: Toda a Mulher tem direitos que devem ser respeitados: direito á vida;
direito à saúde; direito à liberdade e á segurança; direito à igualdade
(direito de estar livre de todas a formas de discriminação); direito á
educação; direito á informação; direito á constituir família; direito á
privacidade, direito aos benefícios políticos, sociais, económicos e culturais.
2- A situação da Mulher
em Timor-Leste
Ao longo dos séculos a
mulher timorense viva em condição de submissão. O homem era detentor do poder
na família e na aldeia. À mulher era reservada a tarefa de criar os filhos e
cuidar dos trabalhos domésticos. A educação e a instrução de raparigas só se
verificou no secundo quartel do século XIX, quando foi a aberta em Díli o Colégio
de Santa Júlia de São José, entregue às Irmãs Canossianas. Na segunda metade do
século XX, as escolas do sexo feminino podiam-se contar pelos dedos da mão. Com
a ocupação Indonésia, a frequência das escolas por raparigas timorenses deu um
salto extraordinário tanto em qualidade como em qualidade.
Durante a invasão e
ocupação japonesas (1942-1945), muitas mulheres timorenses foram levadas para
quarteis dos invasores para servirem os soldados. Durante a ocupação indonésia,
houve de tudo: as mulheres que combatiam o invasor, algumas eram presas, e
torturadas; outras violadas. Porém as que eram pró-integração, algumas foram
promovidas ao estatuto de “pegawai negeri” (funcionarias) e participavam em
diversos sectores do programa do desenvolvimento, especialmente na secção de
PKK.
Em Outubro de 1999, com a
Administração Transitória das Nações Unidas, deu-se um grande impulso à
igualdade do género. No mês de Julho de 2000, realizou-se em Díli o Primeiro
Congresso da Mulher. Nesse Congresso estabeleceram-se importantes linhas de ação:
a reconciliação, a erradicação da violência, o problema da participação
económica, a participação na política, a agricultura, os direitos humanos. Com
a independência de 20 de Maio de 2002, a mulher timorense estava representada
no Parlamento e no Governo. Nesse período havia 27% de mulheres no parlamento,
9 mulheres no Governo, duas diplomatas, 23% de mulheres em diversos sectores da
Administração Pública. Passados oito anos, o número de mulheres na vida
politica e social timorense continua a ser relevante. No ano de 2010, no
Parlamento Nacional estavam 19 Deputadas, representando 27% do total dos
Deputados; no Governo, havia cinco ministras e secretárias do estado, nas
freguesias ou sucos (442), eram onze as senhoras que exerciam este cargo de
servir o bem comum.
Neste ano de 2016: No
Parlamento Nacional, há 24 senhoras como deputadas: No Governo, há 8 que são
membros do governo; e nos sucos, há 11 senhoras como chefes de suco. Na
carreira diplomática, a atualmente, há 4 embaixadoras e uma é cônsul. Dezenas
de senhoras são funcionárias nos serviços públicos; outras desenvolvem as suas
atividades no sector privado.
Espera-se que pouco a
pouco as mulheres timorenses vão ganhando mais relevo e importância na
sociedade timorense.
3- A Mulher segundo a visão
cristã
Falo da mulher, sob a
perspetiva cristã. Nesse sentido, começamos por dizer, que a mulher, como o
homem, foi criada por Deus, e criada à imagem semelhança de Deus. “Deus criou o
homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou (Gn
1,27). E foi criada por Deus como uma unidade de alma e corpo. A alma
espiritual e imortal é o princípio da unidade do ser humano, é aquilo pelo qual
este existe como um todo. A mulher existe como um ser único e irrepetível, existe
como “eu” capaz de auto compreender-se, de Auto possuir-se, de
auto determinar-se. Ela é uma pessoa. E uma pessoa humana é um ser inteligente,
e consciente, capaz de refletir sobre si mesma e, portanto de ter consciência
dos seus atos.
Lemos também que o homem
não pode existir só (cf. Gn 2,18), só pode existir como unidade dois. Trata-se
de uma relação recíproca: do homem para coma mulher e da mulher para com o
homem. “Ser pessoa à imagem e semelhança de Deus comporta, pois, também um
existir em relação, em referência ao outro “eu”. Isto preludia a definitiva auto revelação
de Deus uno e trino: unidade viva na comunhão do Pai, do Filho e do Espírito
santo” (João Paulo II, Mulieris Dignitatem, p. 24).
O texto do Génesis no
capítulo 3,16 declara: “ sentir-te-ás atraída para o teu marido, e ele te
dominará”. Esta afirmação do génesis tem um grande e significativo alcance. Ela
implica uma referência recíproca entre o homem e a mulher no matrimónio.
Trata-se do desejo nascido no clima do amor esponsal, que faz com que o dom
sincero de si mesmo da parte da parte mulher encontra resposta e complemento
num dom análogo da parte do marido. Somente apoiados neste princípio é que os
dois e, em particular a mulher, podem encontrar-se como verdadeira unidade dos
dois segundo a dignidade da pessoa. A união matrimonial exige o respeito e o
aperfeiçoamento da verdadeira subjetividade pessoal dos dois. A mulher não pode
tornar-se objeto de domínio e de posse do homem.
Nos nossos dias a questão
dos direitos da mulher tem adquirido um novo significado no amplo contexto dos
direitos da pessoa humana.
Como pessoa humana, a
mulher deve ser considerada em toda a sua dignidade e nos seus direitos
fundamentais (universais, invioláveis e inalienáveis) decorrentes da sua
dimensão individual, social e transcendente. Como pessoa humana, ela deve ser
considerada como princípio, sujeito ou protagonista e fim da sociedade. Para
isso, a mulher dever ser educada e ajudada a descobrir, viver e respeitar essa
dignidade em si e nos outros; deve ser educada a promover o desenvolvimento
integral, e não só intelectual, da personalidade da cada uma; deve ser ajudada
e educada a descobrir a própria vocação e os meios que a preparam para a
vivência da mesma, de acordo com as circunstâncias de espaço e de tempo; deve
ser educada para a liberdade e responsabilidade apoiando-se numa sólida e
esclarecida formação moral.
Pensamos nós que é
importante celebrar o Dia internacional da Mulher. É importante pensar no
Direitos e deveres da Mulher. É importante apoiar e reconhecer a presença da
Mulher na Sociedade e na Igreja. Mas também é igualmente importante pensar na
educação da Mulher em todo os campos do saber e experiência humana. Só educando
as mentes e os corações de novas gerações de Mulheres, o mundo do século XXI
poderá ser mais humano, mais tolerante, mais respeitador e mais solidário e
mais fraterno. Baseamo-nos, portanto, no grande pedagogo, o Padre Américo
Veiga, redentorista, que propôs as seguintes metas para a formação de uma
personalidade verdadeiramente madura, equilibrada e harmoniosa de toda a Mulher
(cf. Américo Veiga, A Educação Hoje, Editorial perpétuo Socorro, 2005).
4- A educação da mulher
A educação é auto realização
de pessoa em todas suas dimensões humanas. A educação de que falamos aqui tem
como objetivo fazer da rapariga, da mulher, um ser que atinja um
desenvolvimento integral, isto é, em todas as suas dimensões, no especto
físico, cognitivo, afetivo, social, religioso, político e moral.
4.1. Educação física: Tem
como meta final a promoção de toda a pessoa. Cuidando do corpo e do de todo o
organismo: alimentação, higiene, desporto; Cuidar da saúde física e do
desenvolvimento corporal harmonioso, assegurando o funcionamento normal do
organismo, corrigindo as suas deficiências, procurando o fortalecimento do
corpo, preparando-o para uma rápida e eficaz adaptação ou resistência a
possíveis modificações ambientais, desenvolvendo as capacidade motoras. Nesta
dimensão realçamos a saúde física, a saúde mental e a saúde moral., propriamente
dita, a educação.
A saúde física – estado
de equilíbrio e do bom funcionamento do organismo – é um elemento
importantíssimo da personalidade pelas possibilidades que nos oferece, porque
nos desembaraça de muitas preocupações e porque se faz acompanhar de sentimentos
de alegria, de bem-estar, segurança e confiança.
- Saúde mental: favorecer
a saúde mental (equilíbrio, paz, tranquilidade, boa disposição, otimismo) tão
dependente do bom funcionamento do nosso organismo,
- Saúde moral e social,
através das atividades físicas apropriadas e da sua adequada realização, o
desenvolvimento de determinadas virtudes e características de uma boa saúde
mental e social: coragem, rapidez de decisão, disciplina, confiança em si,
lealdade, retidão, camaradagem, força de carácter, etc.
4.2. A Educação
intelectual: ensino e instrução. No passado, um cero descuido, uma certa
descriminação; Quando falamos da educação pensamos em primeiro lugar numa
instituição que se chama escola, falamos dos professores e do material escolar.
É na Escola que se transmitem os conhecimentos e os valores. A Escola deve
abranger uma educação que vise a realização do homem e da mulher em todas as
dimensões da sua personalidade, incluída a técnica e profissional.
4.3. A Educação afetiva:
Esta educação leva a pessoa a viver, cultivar e praticar tudo aquilo que se
relaciona com os adectos e amor. Através da educação afetiva, procura-se
incutir no rapaz e na rapariga uma afetividade bem realizada, harmoniosa que de
paz, serenidade e felicidade.
4.4. A educação sexual e
sexuada tem como finalidade a realização dos seres humanos enquanto pessoas,
com igual dignidade. Mas também sabendo-se que são diferentes, como homem e
mulher, assumindo essa diferença como a maneira de ser pessoa sem complexos nem
atitudes de superioridade e de inferioridade. A educação sexual não consiste só
na informação fisiológica sobre os mecanismos genitais, mas a edificação de uma
sexualidade equilibrada e de uma vivência sexual fiel à natureza humana.
4.5. A educação moral
abrange um conjunto de conhecimentos, opções e comportamentos que tornam
revelam uma pessoa verdadeiramente ética ou moral. A educação moral visa a
formação nos direitos humanos, na vivência de alguma virtudes como a verdade,
justiça, lealdade, honestidade, etc. Há uma ética civil, secular ou laica.
4.6. A educação religiosa
e cristã: Leva o ser humano a relacionar-se com o Absoluto, com Deus. A
educação religiosa leva o homem e a mulher a descobrir o problema de Deus. A
religião brota do impulso humano para o Transcendente. A educação cristã tem
como objetivo creditar na pessoa de Jesus Cristo e no seu Evangelho, e aderir a
Sua Pessoa. A educação cristã tem como finalidade a aquisição de uma verdadeira
e autêntica fé em Cristo e trabalhar pelo seu reino.
Pelo Batismo é inserida
no Corpo místico de Cristo, é tornada discípula de Jesus Cristo, com a missão
de testemunha Cristo no Mundo. Tem portanto uma vocação cristã;
Além disso, tem uma
missão: a de trabalhar com o resto do Povo de Deus para salvar mundo e
restaurar todas as coisas em Cristo. A mulher tem vocação para o matrimónio: A
vida matrimonial é comunhão total de vida, entre um homem e uma mulher, fundada
e vivificada no e pelo amor fiel, constante até à morte. A mulher como esposa
tem o dom recíproco da pessoa no matrimónio e abre-se para o dom de uma nova
vida, de um novo homem. Como mãe, abre-se ao dom da maternidade gerando e
criando e educando os filhos no amor, nas virtudes humanas e cristãs.
4.7. A educação politica,
leva as mulheres a sentirem membros da “polis” e, por causa disso, deve
trabalhar pelo Bem Comum e participar na construção da sociedade.
Esperamos que com esta
celebração do Dia internacional da Mulher, a Sociedade, possa respeitar os
direitos da Mulher, e proporcione, a nível social, económico e político,
condições para a autêntica realização da sua personalidade como pessoa, como
profissional, como mãe e como esposa.
Porto, 7 de Março de 2016
Dom Carlos Filipe Ximenes
Belo
Administrador Apostólico
emérito de Díli
Prémio Nobel da Paz 1996
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