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20130113

Ramos-Horta: "Durao Barroso deve ser o proximo secretario-geral da ONU"

Acredita que Timor-Leste está bem entregue e vai continuar a ser um caso de sucesso. Ramos Horta, o Nobel da Paz de 1996, deixou a presidência do seu país há sete meses e admite estar a aproveitar muito bem a sua liberdade

Filipe Fialho (texto publicado na VISão 103g, de 10 de janeiro)
8:38 Sábado, 12 de Janeiro de 2013

Entrevista 

Ramos-Horta: "Durão Barroso deve ser o próximo secretário-geral da ONU"
 
Em maio, cedeu o lugar de Chefe de Estado a Taur Matan Ruak e, desde então, tornou-se um reformado de luxo da política de Timor-Leste e um andarilho global. Tal como Bill Clinton ou Tony Blair, José Ramos Horta passou a integrar a lista de antigos dirigentes que passam o tempo em viagens pelos cinco cantos do mundo para dar todo o tipo de conferências - pagas proporcionalmente ao seu prestígio internacional. Esta semana, veio a Lisboa para participar nas comemorações dos 40 anos do Expresso e rever velhos amigos. No final do mês, tem à sua espera um novo desafio pessoal e diplomático, quando assumir funções como enviado especial do secretário-geral das Nações Unidas para a Guiné-Bissau. Um cargo que, confessa, lhe pode provocar alguns constrangimentos por impedi-lo de dizer o que realmente pensa. Enquanto tal não ocorre, mostra-se solidário com a causa palestiniana, elogia os professores portugueses em Timor-Leste - "são dedicados e entusiastas, devíamos pagar-lhes um pouco melhor" - e diz que Durão Barroso pode muito bem suceder a Ban ki Moon à frente da ONU.

Após ter abandonado a presidência da República de Timor-Leste, afirmou que lhe tiraram um enorme fardo de cima. É hoje um homem mais livre?

A verdade é que, nestes últimos meses, deleitei-me com a minha liberdade. Mas não se entenda isto como sinónimo de ociosidade. Logo em junho, por exemplo, aceitei o convite do Presidente Taur Matan Ruak [o seu sucessor] para representar Timor-Leste na cimeira do Rio+20. Tenho viajado imenso, dei mais de 20 palestras - nos Estados Unidos, Japão, Suíça, Alemanha, Singapura, Tailândia, Austrália... Recebi mais três doutoramentos honoris causa, entrei para o Conselho Honorário da Universidade de Harvard...

Tenho estado muito ocupado, a diferença é que já não sou obrigado a preocupar-me com problemas de política e segurança em Timor-Leste. Durmo tranquilo e acordo tranquilo, as dores de cabeça em relação ao que acontece em Timor-Leste ficaram para o atual Presidente e para o primeiro-ministro.

Curioso que a sua reforma da política timorense lhe permita agora ter maior visibilidade internacional...


Eu nunca deixei de ter visibilidade, a nível internacional. Mesmo quando estava na chefia do Estado, publiquei artigos de opinião no Washington Post, no International Herald Tribune, no New York Times. Sempre opinei sobre aquilo que me parecia mais oportuno, fosse a Síria, a situação dos media ou a Birmânia... Mas agora, ser representante especial do secretário-geral para a Guiné-Bissau, impõe-me alguns constrangimentos. Tenho um secretário-geral a quem devo todo o respeito, a ele e aos 193 membros da ONU. No passado, em conversas informais, eu costumava dizer "aquelas pessoas da ONU que trabalham entre o 36.° e o 38.° andar devem ser os melhores diplomatas do mundo porque têm de gerir as sensibilidades, os interesses e os egos de todos os Estados membros. Não pode haver diplomatas mais hábeis, porque têm de medir cada palavra". E se é habitual os líderes cometerem gafes, é muito raro um funcionário da ONU cometer uma gafe.

Já que fala da Guiné-Bissau e da sua nomeação para mediador do conflito naquele país, a sua amizade com o ex-primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior não lhe provoca nenhum tipo de constrangimento?

Bom, eu não diria amizade, porque não conheço assim tão bem o dr. Carlos Gomes Júnior. Estive com ele duas ou três vezes quando ele era primeiro-ministro. No plano pessoal, não posso colocá-lo, por exemplo, ao nível da relação que tenho com Joaquim Chissano, personalidade que conheço há mais de 30 anos...

Permita que insista nos constrangimentos. Há apenas um mês subscreveu uma carta enviada ao novo Presidente da China, apelando à libertação do Nobel da Paz, Liu Xiaobo. Está a dizer que não voltará a ter esse tipo de tomadas de posição?

Se eu aceito desempenhar uma função nas Nações Unidas, com o estatuto de secretário-geral adjunto, não represento o José Ramos Horta, represento o secretário-geral.

Portanto não voltará a assinar e a promover cartas desse género, nem a criticar o regime de Pequim...

Enquanto me mantiver nestas funções, não posso fazer nada a que não seja dada luz verde pelo secretário-geral...

Mas é importante que se saiba que eu tenho excelentes relações com a China. A China considera-me um amigo. Mais. O meu filho, Loro Horta, é um respeitado especialista nesse país. Ele tem três mestrados e um deles foi tirado na Universidade Militar de Pequim - e com notas tão boas que lhe deram o título honorífico de coronel do exército chinês. Agora, está a concluir o doutoramento em Singapura sobre a doutrina naval chinesa. Fez, também, um mestrado na Universidade americana de Monterrey, onde a sua tese, igualmente sobre a China, foi classificada como a melhor do ano, na instituição... Tudo o resto é mero bom senso.

Admite concorrer ao cargo de secretário-geral da ONU quando Ban Ki Moon terminar o segundo mandato, no final de 2016?

Eu diria que essa possibilidade está excluída. A não ser numa outra vida, na minha próxima reencarnação - algo em que eu até acredito. Depois de Ban Ki Moon, um asiático, os europeus vão digladiar-se em grande para que o cargo de secretário-geral seja ocupado por um europeu. Vai ser muito interessante observar a cena! (risos) E eu vou fazê-lo, à distância, com intenso prazer.

E pondera apoiar algum candidato que entretanto surja?

Creio ser demasiado cedo mas a Europa pode apresentar candidatos brilhantes. Um deles é José Manuel Durão Barroso. Mas haverá outros candidatos. Os nórdicos, provavelmente, vão querer novamente o lugar, os polacos também devem dizer que nunca houve um secretário-geral da Europa de Leste...

Depois de três décadas de luta por Timor-Leste, ainda há alguma causa que o mova para lutar pelo poder?

Pelo poder não, mas há causas que ainda me partem o coração! Por exemplo, a situação dos palestinianos. Sessenta anos depois, continua sem haver uma solução? Vinte anos depois dos acordos de Oslo, continuam a ver negado o seu direito a um Estado palestiniano livre e independente, a viverem em paz com Israel? Eu fui o único Chefe de Estado no mundo que teve a possibilidade de visitar em simultâneo, e na mesma deslocação oficial, a Palestina e Israel. Nesse campo de minas político, eu estava com imenso receio de cometer alguma gafe. Ainda por cima tinha aceite dar duas conferências publicas, uma em cada território. E pensei: vou fazer asneira, de certeza. Afinal, saí incólume e não detonei nenhuma mina político-diplomática.

Dizer o que pensa ainda o prejudica?

Já disse muitas asneiras, ao longo da minha vida!

Há um mês, numa entrevista à Al Jazeera, afirmou que tinha muitas dúvidas sobre se valia a pena perder-se uma única vida humana para que um país atingisse a independência...

Já o tinha dito antes, mais do que uma vez, em conferências. Nenhuma causa, nenhuma religião, deveria justificar a morte. Mas nós sabemos que as pessoas aceitam morrer por uma causa, por uma religião, sempre assim foi na história da humanidade. Eu próprio perdi uma irmã e três irmãos [na guerra pela independência de Timor-Leste]. A nós, os vivos, resta-nos saber honrar a memória deles e tudo fazer para não trair essa memória. Caso contrário, para quê tantas mortes e tantos sacrifícios?

D. Basílio do Nascimento, bispo de Baucau, afirmou, recentemente, que o nepotismo e a corrupção são os grandes problemas de Timor-Leste. Quer comentar?

Bom, em relação ao nepotismo eu nem percebo. O Presidente não tem nenhum irmão, nenhum sobrinho, nenhum primo ligado ao poder político ou empresarial. O primeiro-ministro Xanana Gusmão também não tem nenhuma irmã, nenhum tio na alta chefia do Estado ou das força armadas...

E quanto à corrupção?

A International Transparency, no seu último relatório, revelou que Timor-Leste está no bom caminho e subiu 19 lugares no ranking. Criaram-se, no país, muitos instrumentos e instituições de luta contra a corrupção que são quase um modelo em toda a Ásia. Embora a mim, como ser humano, me fira o coração ver alguém ser punido, temos de recordar que os tribunais timorenses condenaram a prisão uma ministra da Justiça. Portanto, é preciso tirar o chapéu à justiça timorense! Por outro lado, os dados mais recentes da ONU também demonstram que a pobreza está a diminuir; a mortalidade infantil baixou para metade, nos últimos três ou quatro anos; o caminho a percorrer ainda é longo mas acredito que os próximos cinco anos vão ser de grande crescimento económico, num clima de paz e estabilidade.

Está, pois, otimista em relação ao futuro imediato do seu país, apesar da retirada das forças internacionais da ONU?

Sim. O país está bem entregue, está em boas mãos. Nós temos líderes credíveis e eu estou muito confiante.

Há pouco tempo, num artigo de opinião publicado num diário indonésio, o Jakarta Post, escreveu que, daqui a dez anos, metade dos timorenses falarão português. Timor é indispensável para defender os interesses da Lusofonia na Ásia?

A língua não é uma mera questão de geopolítica. É uma questão de identidade, da identidade timorense. Temos uma história de 500 anos, aquilo que é hoje o povo timorense resulta da colonização portuguesa e nós, os líderes timorenses, chegámos à conclusão de que era necessário manter a língua portuguesa, apesar da interrupção de 24 anos de colonização indonésia. Não foi uma tomada de posição fácil, em 2000. Enfrentávamos os maiores desafios e a oposição de muita gente, sobretudo dos anglófonos. A verdade é que o português já é falado por mais de 20% da população. Ironicamente mais do dobro da percentagem de timorenses que falavam português em 1974. Timor-Leste independente fez mais pela língua portuguesa do que o Portugal colonial até ao 25 de abril. Isto é um enorme sucesso, é espetacular!

Fonte: VISAO SAPO PT
http://visao.sapo.pt/ramos-horta-durao-barroso-deve-ser-o-proximo-secretario-geral-da-onu=f706165

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