2 de Novembro
Na cultura cristã e na cultura timorense há um ponto de coincidência que é os vivos relembrarem os entes queridos, os antepassados e os familiares e amigos.
Na tradição cristã, a Liturgia consagra o dia 2 de Novembro à memória dos fiéis defuntos desde os inícios do século XI. No Credo, os cristãos rezam: “Creio na ressurreição da carne ou seja, na vida eterna. Ressurreição da carne significa que depois da morte, não haverá somente a vidas da alma imortal, mas também os nossos “corpos mortais” (Rm.8,11) retomarão a vida. Crer na ressurreição dos mortos, foi desde os seus princípios, um elemento essencial da fé cristã. Nosso Senhor Jesus Cristo havia dito: “Eu sou a Ressurreição e a Vida” (Jo. 11, 25). Ser discípulo de Jesus Cristo é ser testemunha da ressurreição.
E os Timorenses, como encaram a morte e a vida “do além”? Antes da entrada dos missionários, os Timorenses eram animistas e acreditavam na existência de um ente supremo, MAROMAK, sinónimo de Naroman, que significa “Brilhante”, “Luz”. Em 1975, a Fretilin publicava a um jornal chamado Nakroman (Luz). Apesar de crerem na existência de Maromak, os Timorenses cultivam especial culto aos espíritos dos Antepassados e aos “Lulik”.
Os Antepassados são venerados como fonte de vida e protectores dos vivos. Acreditam que são os Antepassados que presidem os destinos da família e protegem os membros. Por isso, quando alguém morre, os timorenses realizam cerimónias, como hader mate, hakoi mate, tau ai-funan moruk, ai-funan midar, foti kruz e kore meta, etc.
O saudoso Padre Ezequiel Enes Pascoal, missionário, literato e poeta, escreveu:
“Uma das crenças mais arraigadas entre os timorenses é de que os mortos (…) se imiscuem no destino e nas actividades dos vivos. Se estes são solícitos em prestar-lhes os obséquios e deveres tradicionais, como sejam as ofertas das primícias na colheita do milho e do arroz, de arroz ou milho cozidos, na inauguração duma nova casa ou a colocação dos mesmos sobre as sepulturas, em certas ocasiões, tudo lhes corre bem e gozam de boa saúde. Se, pelo contrário, são remissos no cumprimentos desses deveres, a doença e outros malefícios não deixam de os apoquentar, Os nativos crêem que os mortos aparecem em forma humana a que, em tetum chama mate clamar” (A Alma de Timor vista na sua fantasia, p.159).
Seria interessante descreve todo o ritual à volta do “Hakoi Mate” (funeral e enterro).
Mas, vou cingir-me ao dia dos fiéis defuntos. Como é celebrado este dia, por exemplo, em Baucau?
No dia 2 de Novembro, os que são cristãos vão à igreja ouvir a missa (rona missa). Por volta das oito ou nove horas de manhã, chegam os familiares e parentes. Segundo o costume, é-lhes oferecido, em primeiro, o malus-fatin ou kohe, contendo malus (betel), bua (areca), a’hu (cal) e tabaco. Depois de mascarem e fumarem, é-lhes oferecido um copo ou uma caneca de água para levaram a boca; segue-se o “matabicho/matbixu” que consiste em comer fatias de pão (comprado na loja dos chinas), bolachas, batata-doce frita, banana frita, amendoim, milho torrado, café e/ou chá.
A seguir prepara-se o futu-aifunan (preparação de capelos e ramalhetes de flores). As crianças que de manhã cedo tinham percorrido as terras vizinhas colhendo flores, trazem cestos (lafatik) cheios flores de mais variadas cores.
Alguns homens preparam o chamado “capelo”, feito da haste de palmeira “Akar ou tali tahan. ”As mulheres, sentadas numa esteira estendida na varanda ou no pátio, escolhem as flores que começam a ser “atadas” nos capelos, flores essas entrelaçadas de folhas. Entretanto, na cozinha, uma barraca improvisada na véspera, outras mulheres afadigam-se em volta das lareiras cozendo panelas de arroz e de katupa. Os homens, esses matam um cabrito e dois porcos e preparam a carne para a cozinha. As senhoras, tendo como dirigente principal um cozinheiro da Administração civil, cozem a carne (te’in modo) em tachos e panelas A especiaria denominada “modo” leva condimentos como cebola, sal, alho, e uma espécie de erva “du’ut morin”. Concomitantemente, outros homens preparam outro tipo de iguarias, isto é, assam ao lume a cabeça do porco e do cabrito. Numa panela, à parte, são cozidos o baço do cabrito, parte do fígado e do coração e, que por serem lulik, só serão reservados aos mais velhos.
Enquanto decorre esta azáfama, o Katuas, lulik nain (sacerdote gentílico) ou ancião da aldeia, leva pedacinhos de carne (fígado, coração), num “kohe”, para oferecer aos espíritos dos Antepassados, num local escondido, atrás dos arbustos e piteiras e cactos. Nesse local, havia umas lajes sobrepostas situadas ao pé de árvore centenária, um hali, ou gondoeiro. Ali, o velho depôs o cestinho de arroz de carne, e outro de areca, betel e cal. Longe da barulheira o velho fez as suas rezas. Ao meio-dia tem lugar o almoço. Comem primeiro os homens. Não se sentam à mesa, mas todos, sentados em semi-circulo, numa esteira estendida debaixo de uma tenda.
O arroz é servido em pratos de folhas de Akadiru; o tuaka (vinho) em copos de bambu; o “modo” (iguarias de carne), em espécie de uma travessa feita de uma membrana da arequeira. Nesta ocasião, os membros do clã dos Fetosan não podem comer a carne do cabrito; e os do clã de Umane, não podem comer a carne do porco.
Terminado o almoço, os homens retiram-se para a sombra de um grande Ai-Kamin, e dão ao início ao teci-lia, durante o qual dois anciãos, representantes, um da facção dos Fetosan e o outro dos Umane, debatem a questão das relações ou alianças que eram cultivadas e mantidas “na antiguidade” pelos seus antepassados; falam de relações que devem continuar a existir nos tempos que decorrem. Mas o ponto fulcral do debate era a questão do Barlaque, e, sobretudo a dívida que ainda persistia entre os Fetosan e Umane. O Lia-Nain dos Umane argumentava que o Dia dos Matebian era uma boa ocasião para que os Fetsan entregassem o resto do que ficou acordado no ano anterior: um búfalo, um cavalo e um surik. O representante dos Fetosan rebatia dizendo que ele e os seus parentes, até à data, ainda não tinham recebido o que os Umane haviam prometido: dois porcos e três cordas de morteen. O debate animava-se, e os assistentes, mascando bua e malus davam vivas e haklalas apoiando o seu interlocutor…Como conclusão, pois estava a próxima a hora para ida ao Cemitério, são renovados os acordos: As Famílias do lado de Fetosan deveriam continuar a fornecer búfalos, cabritos e surik (espadas de Makasar) às famílias de Umane, nas grandes ocasiões, como a construção de Casa Lulik; no casamento; no funeral de um parente e na colheita de arroz. E os membros do Umane continuariam a dar porcos, panos de Timor, morteen ou mutissala (cordões de pedras preciosas).
Seguiu-se o almoço das senhoras, e, só no fim, o dos jovens e das crianças.
Por volta das 4 horas da tarde, organizou-se a procissão para o cemitério (Bibi-Dala) para a deposição de flores nas sepulturas dos antepassados e dos parentes recentemente falecidos.
Chegados ao local, todos permanecem em silencia. Observado este ritual, a mulher do Katuas Lia Nian manda distribuir os capelos de flores e uma vela, a cada um dos presentes, começando pelas pessoas mais importantes: o liurai, o dato, o ancião, o mestre, o catequista, o enfermeiro e o guarda-fio, por fim, os homens e os jovens. Chegou a vez das senhoras: a prioridade era dada liurai-feto, seguindo-se a professora, a catequista, etc. Aos adolescentes e crianças são entregues ramalhetes de flores ou, apenas um punhado de pétalas. Todos depõem sobre a campa e, a seguir, acendem as velas. Durante este tempo, reza-se o terço ou seis Pai-Nosso, seis Ave-marias e seis Glorias. Finda a oração, era a vez do ancião, colocar sobre a sepultura um cestinho com betel, areca, cal e tabaco, e um prato da folha de Akadiru (luteru) contendo arroz e pedaços de carne.
Terminado este acto de sufrágio e de comemoração, todos regressam á aldeia, onde será servido o juntar “gentílico”.
À hora da chegada, à entrada do pátio, todas as pessoas são aspergidas com água de coco por um ancião, usando como hissope uma ramo de Ai-ata (anona).
Na varanda traseira da casa, estava estendida uma esteira onde foram colocados objectos pertencentes aos antepassados, retirados da Casa lulik: sete surik (espadas), sete tais (panos de Timor, sete kohe (bornal de folha de palmeira), pratos chineses antigos, uma rota (bastão), belak (discos de ouro ou de prata), kaibauk (meia-luas de ouro ou de prata), mortem, sete pratos de katupa, sete pratos de carne e sete copos de bambu contendo tuaka.
Entretanto todos os membros dois clãs (Fetosan e Umane) já se haviam reunido á volta da esteira, levando cada pessoa, uma vela ou um “kesak de Kamin”. O sacerdote gentílico, em silêncio, murmura umas orações imperceptíveis. Certamente estaria a impetrar junto dos Matebian, favores, graças e benefícios sobre os vivos, sobre os campos de arroz (natar) e de milho (to’os), sobre o gado (kuda, karau, no bibi), etc. etc. A assembleia permanece em profundo silêncio.
Por fim, o Ancião, em voz alta, declara: “Que para o ano, não entrem, nem doenças nem desgraças nos nossos lares e povoações… que haja abundância de chuvas para a cultura de arroz e de milho; que os animais tenham crias… que a fonte da aldeia não venha a secar… e que os nossos filhos que estão no Taci-balu (estrangeiro) estejam de saúde e voltem de pressa…
Feita esta cerimónia “gentílica) segue-se o jantar. A noite é passada com jogos de cartas, conversas amenas intercalados com canções. A vigila prolonga-se a até o surgir da estrela matutina. Ao primeiro cantar do galo (cerca de três horas), começa a debandada. Os Fetosan regressam às suas aldeias levando um porco e um tais. E os Umane, um cabrito e um surik de Makasar. Neste dia de Matebian, s antepassados foram, mais uma vez recordados. E a aliança entre Fetosan e Umane, ficou mais vez selada. E, num ramo de Ai-Sukaer (tamarindo), mais um chifre do cabrito ficou ali pendurado…a recordar aos vindouros este memorável dia.
É por causa destas e doutras razões, que os Timorenses, todos os anos, regressam às suas aldeias de origem, para celebrarem do Dia dos Finados ou de Matebian!
Porto, 30 de Outubro de 2010
Dom Carlos Filipe Ximenes Belo
Exclusivo Forum Haksesuk
Na cultura cristã e na cultura timorense há um ponto de coincidência que é os vivos relembrarem os entes queridos, os antepassados e os familiares e amigos.
Na tradição cristã, a Liturgia consagra o dia 2 de Novembro à memória dos fiéis defuntos desde os inícios do século XI. No Credo, os cristãos rezam: “Creio na ressurreição da carne ou seja, na vida eterna. Ressurreição da carne significa que depois da morte, não haverá somente a vidas da alma imortal, mas também os nossos “corpos mortais” (Rm.8,11) retomarão a vida. Crer na ressurreição dos mortos, foi desde os seus princípios, um elemento essencial da fé cristã. Nosso Senhor Jesus Cristo havia dito: “Eu sou a Ressurreição e a Vida” (Jo. 11, 25). Ser discípulo de Jesus Cristo é ser testemunha da ressurreição.
E os Timorenses, como encaram a morte e a vida “do além”? Antes da entrada dos missionários, os Timorenses eram animistas e acreditavam na existência de um ente supremo, MAROMAK, sinónimo de Naroman, que significa “Brilhante”, “Luz”. Em 1975, a Fretilin publicava a um jornal chamado Nakroman (Luz). Apesar de crerem na existência de Maromak, os Timorenses cultivam especial culto aos espíritos dos Antepassados e aos “Lulik”.
Os Antepassados são venerados como fonte de vida e protectores dos vivos. Acreditam que são os Antepassados que presidem os destinos da família e protegem os membros. Por isso, quando alguém morre, os timorenses realizam cerimónias, como hader mate, hakoi mate, tau ai-funan moruk, ai-funan midar, foti kruz e kore meta, etc.
O saudoso Padre Ezequiel Enes Pascoal, missionário, literato e poeta, escreveu:
“Uma das crenças mais arraigadas entre os timorenses é de que os mortos (…) se imiscuem no destino e nas actividades dos vivos. Se estes são solícitos em prestar-lhes os obséquios e deveres tradicionais, como sejam as ofertas das primícias na colheita do milho e do arroz, de arroz ou milho cozidos, na inauguração duma nova casa ou a colocação dos mesmos sobre as sepulturas, em certas ocasiões, tudo lhes corre bem e gozam de boa saúde. Se, pelo contrário, são remissos no cumprimentos desses deveres, a doença e outros malefícios não deixam de os apoquentar, Os nativos crêem que os mortos aparecem em forma humana a que, em tetum chama mate clamar” (A Alma de Timor vista na sua fantasia, p.159).
Seria interessante descreve todo o ritual à volta do “Hakoi Mate” (funeral e enterro).
Mas, vou cingir-me ao dia dos fiéis defuntos. Como é celebrado este dia, por exemplo, em Baucau?
No dia 2 de Novembro, os que são cristãos vão à igreja ouvir a missa (rona missa). Por volta das oito ou nove horas de manhã, chegam os familiares e parentes. Segundo o costume, é-lhes oferecido, em primeiro, o malus-fatin ou kohe, contendo malus (betel), bua (areca), a’hu (cal) e tabaco. Depois de mascarem e fumarem, é-lhes oferecido um copo ou uma caneca de água para levaram a boca; segue-se o “matabicho/matbixu” que consiste em comer fatias de pão (comprado na loja dos chinas), bolachas, batata-doce frita, banana frita, amendoim, milho torrado, café e/ou chá.
A seguir prepara-se o futu-aifunan (preparação de capelos e ramalhetes de flores). As crianças que de manhã cedo tinham percorrido as terras vizinhas colhendo flores, trazem cestos (lafatik) cheios flores de mais variadas cores.
Alguns homens preparam o chamado “capelo”, feito da haste de palmeira “Akar ou tali tahan. ”As mulheres, sentadas numa esteira estendida na varanda ou no pátio, escolhem as flores que começam a ser “atadas” nos capelos, flores essas entrelaçadas de folhas. Entretanto, na cozinha, uma barraca improvisada na véspera, outras mulheres afadigam-se em volta das lareiras cozendo panelas de arroz e de katupa. Os homens, esses matam um cabrito e dois porcos e preparam a carne para a cozinha. As senhoras, tendo como dirigente principal um cozinheiro da Administração civil, cozem a carne (te’in modo) em tachos e panelas A especiaria denominada “modo” leva condimentos como cebola, sal, alho, e uma espécie de erva “du’ut morin”. Concomitantemente, outros homens preparam outro tipo de iguarias, isto é, assam ao lume a cabeça do porco e do cabrito. Numa panela, à parte, são cozidos o baço do cabrito, parte do fígado e do coração e, que por serem lulik, só serão reservados aos mais velhos.
Enquanto decorre esta azáfama, o Katuas, lulik nain (sacerdote gentílico) ou ancião da aldeia, leva pedacinhos de carne (fígado, coração), num “kohe”, para oferecer aos espíritos dos Antepassados, num local escondido, atrás dos arbustos e piteiras e cactos. Nesse local, havia umas lajes sobrepostas situadas ao pé de árvore centenária, um hali, ou gondoeiro. Ali, o velho depôs o cestinho de arroz de carne, e outro de areca, betel e cal. Longe da barulheira o velho fez as suas rezas. Ao meio-dia tem lugar o almoço. Comem primeiro os homens. Não se sentam à mesa, mas todos, sentados em semi-circulo, numa esteira estendida debaixo de uma tenda.
O arroz é servido em pratos de folhas de Akadiru; o tuaka (vinho) em copos de bambu; o “modo” (iguarias de carne), em espécie de uma travessa feita de uma membrana da arequeira. Nesta ocasião, os membros do clã dos Fetosan não podem comer a carne do cabrito; e os do clã de Umane, não podem comer a carne do porco.
Terminado o almoço, os homens retiram-se para a sombra de um grande Ai-Kamin, e dão ao início ao teci-lia, durante o qual dois anciãos, representantes, um da facção dos Fetosan e o outro dos Umane, debatem a questão das relações ou alianças que eram cultivadas e mantidas “na antiguidade” pelos seus antepassados; falam de relações que devem continuar a existir nos tempos que decorrem. Mas o ponto fulcral do debate era a questão do Barlaque, e, sobretudo a dívida que ainda persistia entre os Fetosan e Umane. O Lia-Nain dos Umane argumentava que o Dia dos Matebian era uma boa ocasião para que os Fetsan entregassem o resto do que ficou acordado no ano anterior: um búfalo, um cavalo e um surik. O representante dos Fetosan rebatia dizendo que ele e os seus parentes, até à data, ainda não tinham recebido o que os Umane haviam prometido: dois porcos e três cordas de morteen. O debate animava-se, e os assistentes, mascando bua e malus davam vivas e haklalas apoiando o seu interlocutor…Como conclusão, pois estava a próxima a hora para ida ao Cemitério, são renovados os acordos: As Famílias do lado de Fetosan deveriam continuar a fornecer búfalos, cabritos e surik (espadas de Makasar) às famílias de Umane, nas grandes ocasiões, como a construção de Casa Lulik; no casamento; no funeral de um parente e na colheita de arroz. E os membros do Umane continuariam a dar porcos, panos de Timor, morteen ou mutissala (cordões de pedras preciosas).
Seguiu-se o almoço das senhoras, e, só no fim, o dos jovens e das crianças.
Por volta das 4 horas da tarde, organizou-se a procissão para o cemitério (Bibi-Dala) para a deposição de flores nas sepulturas dos antepassados e dos parentes recentemente falecidos.
Chegados ao local, todos permanecem em silencia. Observado este ritual, a mulher do Katuas Lia Nian manda distribuir os capelos de flores e uma vela, a cada um dos presentes, começando pelas pessoas mais importantes: o liurai, o dato, o ancião, o mestre, o catequista, o enfermeiro e o guarda-fio, por fim, os homens e os jovens. Chegou a vez das senhoras: a prioridade era dada liurai-feto, seguindo-se a professora, a catequista, etc. Aos adolescentes e crianças são entregues ramalhetes de flores ou, apenas um punhado de pétalas. Todos depõem sobre a campa e, a seguir, acendem as velas. Durante este tempo, reza-se o terço ou seis Pai-Nosso, seis Ave-marias e seis Glorias. Finda a oração, era a vez do ancião, colocar sobre a sepultura um cestinho com betel, areca, cal e tabaco, e um prato da folha de Akadiru (luteru) contendo arroz e pedaços de carne.
Terminado este acto de sufrágio e de comemoração, todos regressam á aldeia, onde será servido o juntar “gentílico”.
À hora da chegada, à entrada do pátio, todas as pessoas são aspergidas com água de coco por um ancião, usando como hissope uma ramo de Ai-ata (anona).
Na varanda traseira da casa, estava estendida uma esteira onde foram colocados objectos pertencentes aos antepassados, retirados da Casa lulik: sete surik (espadas), sete tais (panos de Timor, sete kohe (bornal de folha de palmeira), pratos chineses antigos, uma rota (bastão), belak (discos de ouro ou de prata), kaibauk (meia-luas de ouro ou de prata), mortem, sete pratos de katupa, sete pratos de carne e sete copos de bambu contendo tuaka.
Entretanto todos os membros dois clãs (Fetosan e Umane) já se haviam reunido á volta da esteira, levando cada pessoa, uma vela ou um “kesak de Kamin”. O sacerdote gentílico, em silêncio, murmura umas orações imperceptíveis. Certamente estaria a impetrar junto dos Matebian, favores, graças e benefícios sobre os vivos, sobre os campos de arroz (natar) e de milho (to’os), sobre o gado (kuda, karau, no bibi), etc. etc. A assembleia permanece em profundo silêncio.
Por fim, o Ancião, em voz alta, declara: “Que para o ano, não entrem, nem doenças nem desgraças nos nossos lares e povoações… que haja abundância de chuvas para a cultura de arroz e de milho; que os animais tenham crias… que a fonte da aldeia não venha a secar… e que os nossos filhos que estão no Taci-balu (estrangeiro) estejam de saúde e voltem de pressa…
Feita esta cerimónia “gentílica) segue-se o jantar. A noite é passada com jogos de cartas, conversas amenas intercalados com canções. A vigila prolonga-se a até o surgir da estrela matutina. Ao primeiro cantar do galo (cerca de três horas), começa a debandada. Os Fetosan regressam às suas aldeias levando um porco e um tais. E os Umane, um cabrito e um surik de Makasar. Neste dia de Matebian, s antepassados foram, mais uma vez recordados. E a aliança entre Fetosan e Umane, ficou mais vez selada. E, num ramo de Ai-Sukaer (tamarindo), mais um chifre do cabrito ficou ali pendurado…a recordar aos vindouros este memorável dia.
É por causa destas e doutras razões, que os Timorenses, todos os anos, regressam às suas aldeias de origem, para celebrarem do Dia dos Finados ou de Matebian!
Porto, 30 de Outubro de 2010
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