Antes de começar estas simples palavras, quero exprimir os meus sentimos de tristeza e de solidariedade para com as filhas, em primeiro lugar, e para com os irmãos do saudoso sr. Manuel Carrascalão.
Desde os meus tempos de Dare (Seminário) que eu ouvi falar da família Carrasacalão. Em 1974, sabia que os irmãos Carrascalão tinham fundado, juntamente com outros timorenses, o Partido União Democrática Timorense.
Em 12 Agosto de 1975, estando eu no edifício da antiga Câmara Eclesiástica (sita Avenida Alves Aldeia,25), quando vi passar as camionetas transportando os apoiantes da União democrática Timorenses, partido que tinha iniciado o “golpe de estado”, na noite do dia 10 para 11, apoiantes esses que gritavam: “Lorosae, Loru monu, UDT! Taci mane, Taci feto, UDT!. No dia 16 de Agosto de 1975, acompanhando o pe. Agostinho da Costa, então pároco de Becora, fomos visitar o acampamento da UDP em Palapaço. Não vi o senhor Manuel, só vi o senhor João Carrascalão, então comandante das forças anti-comunistas.
Em Dezembro de 1975, deu-se a invasão da Indonésia. Ouvi dizer que o senhor Manuel fazia parte dos “voluntários” enviados à frente das tropas da Indonésia que iam invadir Timor. E ouvi também dizer, que ele vendo as coisas a correr de feição contrária, começou a protestar, e por isso, ficou retido em Kupang.
Em 1983, tendo sido nomeado Administrador Apostólico da Diocese de Díli, mudei para Lecidere. Junto á residência do Bispo funcionava uma “escola portuguesa”, impulsionada pela reverenda madre Margarida Soares, escola essa que mudaria mais tarde para o Externato de São José, em Balide. Visitando essa escola, encontrava-me várias vezes com o senhor Manuel Carrascalão que levava os filhos para Balide. Ele ia muitas vezes a Lecidere e falávamos muito sobre a situação política, militar e social de Timor Timur. Na sua pessoa, vi alguém que estava comprometido com a causa dos timorenses. Em 1998, fundou o MURPTL, lançando sementes de autodeterminação de Timor Leste, através dum possível Referendum. Em Abril de 1998, deu refúgio a dezenas de pessoas fugidas de Maubara e Liquiçá na sua Casa. No dia 17 desse mês as milícias, Aitarak, depois de uma cerimónia realizada em frente do “Kantor Gubernur”, dirigiram-se para a casa do sr. Manuel Carrascalão cometendo assassinatos e violência contra os refugiados e matando o próprio, Manelito.
Eu estava em Lecidere. Por volta das 12 horas vejo entrar na minha casa, todo aflito e sem camisa, o senhor Manuel, que entre soluços, gritava: “Senhor Bispo, mataram o meu filho, mataram o meu filho!”. No dia 18, fui ao RTPANG (Rumah Tinggal Panglima) em Farol e pedi autorização para ver o corpo do Manelito. Por volta das 10 horas, acompanhado pelo Secretário da Comissão Justiça e Paz, dr. Manuel Abrantes, fui ao Hospital, militar, sita em Lahane, para ver o corpo do Manelito. A Casa mortuária, estava fortemente guardada pelos Kopassus. Antes de entrar na sala, disse aos militares armados de metralhadoras. “kalian harus menjadi pasukan perdamaian, bukan pasuk perang!”. Entrei na sala. Em cima duma mesa de cimento estava ali o corpo do Manelito crivado de balas e com sinais de facadas e catanadas…Rezei…encomendando a sua alma ao Senhor…”
Voltando a Lecidere, telefonei ao senhor Manuel Carrascalão que eu tinha visto o corpo do Manelito na casa mortuária. O Senhor Manuel, como pai, viveu um dos momentos mais dramáticos da sua vida. Mas não desistiu da luta. Para ele, era importante fazer preservar a identidade étnica, cultural e histórica do povo timorense. A sua acção ma preparação da Consulta Popular foi determinante. Foi um dos grandes paladinos da LIBERDADE, JUSTIÇA, PAZ E DEMOCRACIA. Rezo a Deus, para que receba na sua glória a alma do Senhor Manuel. “Dai-lhe, Senhor o eterno descanso!”.
Porto, 12 de Julho de 2009.
Dom Carlos Filipe Ximenes Belo
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