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20201214

A educação é suprapartidária: Entre a demagogia política e a política praxis


 A educação é suprapartidária:
Entre a demagogia política e a política praxis

Por Afmend Sarmento

Soa bem nos ouvidos esta epígrafe:"a educação é suprapartidária[1]", como um ponto culminante extraído de todas as atividades relativas ao III Congresso Nacional da Educação, proferido pelo Dr. Rui Maria de Araújo, o então Primeiro-Ministro do VI Governo Constitucional. Este setor se fosse “suprapartidária" porque não utilizasse o consenso para investir nesta área importantíssima cuja finalidade contribuir ao desenvolvimento sócio-económico do país. Recentemente, a Comissão G do Parlamento Nacional emitiu um Relatório, após as audiências parlamentares, onde “registou vários problemas deste setor educativo do país[2]", porém, constata-se que a política orçamental para este setor continua com o mesmo investimento, não havia nenhuma mudança na estrutura do Orçamento Geral do Estado para o ano fiscal de 2020 nem de 2021, uma vez que o papel fundamental do Parlamento Nacional é para aprovar o Programa Político e Orçamento Geral do Estado.

No plano político, Timor-Leste consagrou a sua grande ambição para atingir as metas definidas no Plano Estratégico do Desenvolvimento Nacional 2011-2030:

investir em educação e formação a fim de garantir que o Povo timorense estará a viver numa Nação onde as pessoas são instruídas e cultas, capazes de viver vidas longas e produtivas e com oportunidades para acederem a um ensino de qualidade que lhes permita participar no desenvolvimento económico, social e político da nossa Nação[3]".

A Educação é o setor-chave e fundamental que contribua para o desenvolvimento sustentável do país. E o acesso à educação torna-se um direito fundamental de todos os cidadãos timorenses. Esse direito é consagrado na Constituição da RDTL, no artigo 59º: “O Estado reconhece e garante ao cidadão o direito à educação e à cultura[4]”. Por meio desta, foi criada a normal habilitante como a Lei de Bases de Educação, nº 14/2008, de 29 de outubro, que regulariza o sistema educativo em Timor-Leste. Os conceitos da filosofia de educação contemplados no regime jurídico em apreço, estabelece numa das alíneas do artigo 5º, os Objetivos Fundamentais da  Educação: “contribuir para a defesa da identidade (…), para o reforço da identificação com a matriz histórica de Timor-Leste, (…) o que passa pelo reconhecimento do património cultural do povo timorense, sem esquecer, no entanto, o dever de consideração e valorização dos diferentes saberes e culturais[5]”. Nesta lógica, a educação passou a constituir uma área muito importante, no respeito pela promoção da diversidade cultural existente no país, para o “reforço da identificação com a matriz histórica de Timor-Leste”, assim, procurando promover a raiz histórica de um povo que, segundo Nicolau Lobato, "renasceu das cinzas do esquecimento[6]" do mundo internacional, afirmando a sua própria "identidade étnica, histórica, cultural e religiosa[7]", perante o povo da região do sudeste asiático. No outro ângulo, o sistema educativo timorense deve promover, através das suas pesquisas científicas, os alicerces para o “reconhecimento do património cultural do povo timorense”, enquanto o país que possui o enorme peso dos setores tradicionais a explorar,  porém ainda existe a baixa produtividade e poucos demandadores de mão-de-obra qualificada para tornar este setor fontes de receitas para o Estado. Finalmente, a Educação timorense assume a nobre missão na “valorização dos diferentes saberes e culturais”, isto é, procura contribuir para uma cultura dinâmica, capaz de valorizar, qualificar e melhorar as suas especificidades, sendo fator de coesão social e de afirmação da identidade timorense no plano internacional.

No seu modus vivendi e modus operandi, conforme as anotações jurídicas do Bacelar[8], o espírito da Lei Bases da Educação assume três papeis fundamentais para conduzir o sistema educativo timorense, através da sua praxis pedagógicas:

1.      Desenvolvimento global da personalidade.

A Educação é o locus privilegiado para transformar o caráter do ser humano, “ela cria, no homem, um ser novo[9]”, como falava o sociólogo francês Emile Durkheim. Este cria as possibilidades através da  transmissão da ciência e tecnologia, levando-o ao mais alto grau de perfeição, isto é no sentido de humanização e não é no sentido pejorativo de desumanização. Para Durkheim, a educação é a única via para preparar o ser humano a conviver e interagir na sociedade: “a educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo números de estado físicos, intelectuais e morais[10]”. O ser humano não é um ser fechado em si mesmo, mas que se relacione com os outros na sociedade, assim, a educação deve preparar os cidadãos para esta vida social. Em suma, enquanto ser racional e social, possui o instinto de racionalização para viver em harmonia com outros seres e tem desenvolvido regras para a sua convivência social. Pois, a essência humana tem por objetivo o desenvolvimento do fim teleológico e este telos desenvolve-se na polis através da educação.

Posteriormente, este pensamento durkheimiano foi incutido por um modelo de concepção de uma educação humanística e psico-cognitiva defendida por Roger e Piaget, como fundamentos da teoria da psicologia de educação,  isto é,  as pedagogias psico–cognitiva e humanista permitem formar pessoas autónomas, críticas e criativas, capazes de melhorar a situação em que vivem[11]”, com a finalidade de formar os seres pensantes,  críticos e criativos e são capazes de decifrar os labirintos da realidade social, mas também permitir “a formação de pessoas competentes que sejam também inovadoras, responsáveis e solidárias, capazes não só de melhorarem a situação em que vivem, mas ainda, de viver e conviver com as outras pessoas num ambiente de paz e de cooperação". A situação hodierna, urge a educação para formar jovens críticos e criativos, mas também inovadores, responsáveis e solidárias. Devem sempre ser, empreendedores e pro-ativos. Dessa forma, serão certamente bem-sucedidos a nível pessoal e contribuirão de forma muito significativa para o desenvolvimento de Timor-Leste.

Noutra perspectiva, Arranha coloca em ênfase que a “educação supõe o proseso de desenvolvimento integral do homem, isto é, de sua capacidade física, intelectual e moral, visando não só a formação de habilidades, mas também do caráter e da personalidade social[12]”. Timor-Leste deve optar por uma política estratégica e holística para a área tão complexa como a Educação, ou seja, deve fomentar a formação de todos os cidadãos a serem mais humanos e mais académicos. O aspecto humanismo se desenvolve através das artes, estéticas e boas práticas na vida quotidiana, enquanto o aspecto académico se desenvolve por via de aquisição do conhecimento científico e tecnológico através das instituições académicas. Nesta linha, a Escola-Universidade é, antes, o espaço onde o estudante aprende a pensar de forma crítica sobre uma determinada área, desenvolvendo as capacidades de colocar boas perguntas científicas sobre essa área e de procurar respostas utilizando metodologias, referências e tecnologias modernas.

Para Delors, o século XXI com a influência da era globalização, urge a educação para repensar o modelo antigo de formação dos cidadãos, colocando em destaque os quatro pilares do conhecimento:

a educação deve organizar-se à volta de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão dalgum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as actividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes[13]”.

Nesta lógica, os estudantes devem ser capazes de integrarem as 4 vias de conhecimentos que se convergirem numa relação de teoria-prática: o saber-ser, o saber-fazer, o saber-conhecer e o saber-conviver tornam-se os mecanismos fundantes das competências humanas e habilidades profissionais do século XXI. É fundamental incutir nos estudantes para desenvolverem a sensibilidade social, ambiental e ética, a capacidade de observação e análise da realidade física, social, económica e política conforme a vida concreta em Timor-Leste.

Para enfrentar os desafios proporcionados por século XXI, a educação deve ser empenhado em compreender e explicar as situações, os acontecimentos e as rupturas, assim como as relações, os processos e as estruturas que se formam e transformam com a sociedade global. Recentemente, Schwab propôs um caminho educacional a seguir, para enfrentar os desafios colocados pela Quarta Revolução Industrial: “(1) inteligência contextual (da mente) – a forma como compreendemos e aplicamos os nossos conhecimentos; (2) inteligência emocional (do coração) -  a forma como processamos e integramos os nossos conhecimentos e sentimentos em relação a nós próprios e outros; (3) inteligência inspiracional (da alma) – a forma como usamos um sentido propósito individual e partilhado, a confiança e outras virtudes para efetuar a mudança e agir em função do bem comum; (4) inteligência físico (corpo) – a forma como cultivamos e mantemos a nossa saúde e bem-estar pessoal e daqueles que nos rodeiam[14].”

A situação global em que vivemos carateriza-se por um ritmo excessivamente intenso e rápido de mudanças. As mudanças no campo social e económico, cultural e comportamental, ecológico e tecnológico afectaram e continuam a afectar, de forma intensa, a sociedade em que vivemos. Para tal, a educação deve assumir a sagrada missão para preparar os jovens timorenses com competências e skills do século XXI, para enfrentar os desafios proporcionados por este mundo digital, ou seja, a Quarta Revolução Industrial, ainda que a realidade timorense, sobretudo aldeias remotas ainda não sentiram os benefícios da primeira revolução industrial, para não falar da segunda e da terceira revolução industrial. Estamos ainda muito longe dos sonhos dos founding fathers de tornar Timor-Leste um país próspero e uma sociedade bem instruída. Esta é missão das novas gerações para continuar as obras dos fundadores da nação.

2.      Progresso social

O  jornal Deloitte através de Social Progress Index definiu assim: “a capacidade de uma sociedade de atender às necessidades humanas básicas de seus cidadãos, estabelecer os componentes básicos que permitam aos cidadãos melhorar sua qualidade de vida e criar as condições para as pessoas e as comunidades atingirem seu pleno potencial[15]”. No entanto, educação é uma peça-chave fundamental para mudança social. Muitos  cidadãos de Timor-Leste ainda vivem numa situação crítica e dramática, extrema miséria, fome, sofrem doenças e os conflitos sociais que têm acontecido diariamente. Para previnir esta desordem social, a educação deve assumir a responsabilidade moral e política para definir e formular a visão estratégica que oriente para o desenvolvimento integral do ser humano, garantindo assim o desenvolvimento sócio-económico do país. Pois através da "educação, enquanto o objeto de transformação social (como também de conservação social, diria Bourdieu), uma vez que se ocupa da transmissão de valores e da formação de futuras gerações[16]". A Educação deve orientar para a promoção de uma educação holística, que possibilita as competências e skills que contribuem para tomar decisões fundamentais e essenciais para a vida do ser humano.

Para Arranha, “educação não é, porém, a simples transmissão da herança dos antepassados, mas o processo pelo qual também se torna possível a gestação do novo e a ruptura com o velho[17]”. A educação não se pode limitar apenas a transmissão de conhecimentos científicos e tecnológicos, mas deve fomentar também os valores culturais transmitidos pelos antepassados e a história que afirma a nossa identidade nacional. Deve incentivar e criar conhecimento científico com impacto relevante na dinâmica social, económica e cultural do país, que permitirá a ruptura com a velha tradição e fomente a transição de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna. O único caminho para que isso aconteça é através da Educação, que permita esta transformação e possibilita a redução da desigualdade social na sociedade timorense.

3.      Democratização da sociedade

A Educação deve contribuir para uma democracia evoluída e estável, com cidadãos capazes de decifrar as problemáticas de desenvolvimento e ter instrumentos de plena participação nos processos de construção do Estado e da nação. O filósofo político, Norbeto Bobbio, escreveu no seu livro O futuro da Democracia, chamou de obstáculos à democracia, sob a rótula de “promessas não cumpridas”. Assim, na sexta “promessa não cumprida” diz respeito a educação para a cidadania, retomando os escritores antigos que tinham chamado de “activae civitatis, em latim no original: cidadania ativa, direitos do cidadão; com isso, a educação para a democracia surgiria no próprio exercício da prática democrática[18]. O papel fundamental e a responsabilidade da educação são essenciais na promoção, construção e desenvolvimento de uma consciência crítica e cultura cívica, no processo de construção do Estado e da Nação. No dizer de Delors, "trata-se de fazer da escola um modelo de prática democrática que leve as crianças a compreender, a partir de problemas concretos, quais são os direitos e deveres, e como o exercício da sua liberdade é limitado pelo exercício dos direitos e liberdade dos outros[19]”. Neste sentido, a situação atual do país urge-nos a trabalhar seriamente para a contrução de uma sociedade democrática e cívica. Pois, esta globalização que estamos mergulhados traz-nos novos valores que devemos inteirar conforme a nossa cultura timorense. Nesta linha de pensamento, a educação deve assumir a missão para contornar esta vivência de demo-crazy numa verdadeira convivência democrática e esta libertinagem numa verdadeira liberdade no sentido clássico da palavra. Para além disso, a qualificação e a sustentabilidade da democracia prendem-se com o nível de formação da próxima geração  timorense.

Depois de perscrutarmos os labirintos jurídicos que orientem o sistema educativo, faremos agora um exame de instropeção para ver os efeitos políticos que têm sido produzidos ao longo desta duas décadas após a consulta popular de 1999, na área da educação. Pós a restauração da independência de Timor-Leste, em maio de 2002, os profissionais da Educação em unísono e consenso definiram as linhas orientadoras para a educação, no I Congresso Nacional da Educação, levado a cabo pelo Dr. Armindo Maia, como Ministro da Educação, em 29 a 31 de outubro de 2003, sob o lema: “a Educação em primeiro lugar”.  

Depois de crise política e militar de 2006, a educação começou a edificar os seus  alicerces fundantes sob a responsabilidade do Dr. João Câncio, o então Ministro da Educação do IV Governo Constitutional, com as excelentes obras como Lei Bases da Educação, enquanto regime jurídico que orienta o sistema educativo e no plano político consagrou o Plano Estratégico Nacional da Educação (PENE) que foi extraído do Plano Estratégico do Desenvolvimento Nacional 2011-2030 (PEDN) que serve como linhas orientadoras para o desenvolvimento social, económico e político do país. Nesse período, foi estabelecida ainda a Agência Nacional para a Avaliação e Acreditação Académica (ANAAA) cujo objetivo regularizar a existência das instituições do ensino superior, enquanto centros aglutinadores das formações dos recursos humanos nacionais. O Governo teve ainda a visão estratégica para criar o Fundo de Desenvolvimento do Capital Humano (FDCH) que assume o papel fundamental para capacitar os recursos humanos a fim de contribuir ao desenvolvimento de Timor-Leste. Nesta governação, foi realizado ainda o II Congresso Nacional da Educação, porém o público não teve acesso a nenhum documento oficial deste evento.

O VI Governo Constitutional sob a liderança do Dr. António da Conceição realizou o III Congresso Nacional da Educação sob o mote:"a Educação é o pilar da consolidação da Identidade e do Desenvolvimento da Nação". Reuniram-se no Salão de Laline-Larigutu da CNE durante três dias, todos os profissionais da Educação, desde os professores pré-escolar até os docentes universitários, dos funcionários administrativos às associações dos pais, sociedade civil e religiosas, todos fizeram um consensus: “a Educação é suprapartidária”.

Esta passagem pelo panorama da Educação, leva-nos a questionar: o que está mal feito na Educação? A situação educativa hodierna torna-se uma grande preocupação da sociedade em geral. Este facto deve-se a seguintes fatores: primeiro, é a substituição da visão estratégica do setor pelas linhas orientadoras do programa político-partidária. O impacto repercute-se na subsituição forçada dos cargos de chefias sem nenhuma consideração pela lógica de right man in the right place e a política de meritocracia. No sentido de privilegiar os programas  políticos partidários com objetivo de promover o recrutamento político para as eleições seguintes. Não se deve privilegiar os "zique-zaques políticos" na área mais complexa e díficil mas evolutiva e dinâmica como a Educação. O segundo ponto fundamental é a falta de seriedade dos líderes políticos para investir na área da Educação. O discurso político como a educação é o setor-chave para o desenvolvimento do país torna-se apenas uma demagogia política – fica registado apenas nos discursos e boas intenções – mas não se reflete na alocação do Orçamento Geral do Estado. O investimento na área da educação anda a volta de 5% a 7%, enquanto os países desenvolvidos como a Singapura e o Japão investem na educação por cima de 20%. Sem aumentar o orçamento até o mínimo de 15% do Orçamento Geral do Estado, vai ser muito difícil alcançarmos os objectivos estipulados no Plano Estratégico do Desenvolvimento Nacional (PEDN) e o Objectivo 4 dos Sustainable Development Goals em 2030. O terceiro ponto preocupante é que o leme da educação é deixado a conduzir pelos interesses políticos e económicos das organizações internacionais sob os projetos de cooperação, por exemplo, o projeto de língua materna. Em termos jurídicos, o próprio ministério fomenta aquilo que não está de acordo com a Lei de Bases, enquanto em questões pedagógicas, o ministério obriga as crianças das períferias a estudarem a língua materna e os filhos dos decision making a frequentarem as escolas internacionais e são instruídos nas línguas portuguesa e inglesa respectivamente.

Para além dos pontos fulcrais acima identificados, para melhorar a qualidade educativa em Timor-Leste, o Governo deve investir mais nos seguintes aspectos:  (1) Investir na capacitação do corpo docente – o maior investimento na formação de professores como peça central do sistema educativo. Sem professores qualificados, profissionais e dedicados, a Educação não irá a lado nenhum. No  processo de ensino e aprendizagem, o professor  assume o papel fundamental, não só como transmissor do conhecimento (transfer of knowlegde) mas também como transmissor de valores ético-morais e culturais (values) para desenvolver o carácter (character building) dos alunos/estudantes[20]. Para além disso, os professores desempenham o papel fundamental como instrutor (lecturer) para dar motivação e suporte (supporter), efetuar avaliação e aconselhamento (supervisor), assim também, participam na implementação das normas sociais para que os estudantes possam ser úteis para a escola, família e sociedade em geral.  

É necessário reformatar o modelo de recrutamento dos professores, devemos optar pela política de meritocracia, deixando o caráter de ser professor por causa de não haver o campo de trabalho, lembrando a intervênção do Pe. Domingos da Costa Alves, no III Congresso Nacional da Educação: “o professor tem que ser o centro aglutinador de sabedoria, da reverência e do amor, porque sem o espírito de doação e de interesse social, o professor não será o profissional da educação, mas será o mercenário da educação”. E, para evitar o mercenário na área da educação, os professores recrutados devem possuir as 4 competências básicas,[21] tais como: (1) competência pedagógica – a capacidade possuída por um professor para lidar ou guiar os alunos/estudantes quando estes enfrentarem a dificuldade no processo de ensino e aprendizagem. Por exemplo: possui um profundo conhecimento acerca da educação, do desenvolvimento curricular, do método de avaliação, etc.; (2) competência social – a capacidade possuída por um professor para fazer interação social na sociedade. A interação social é fundamental para a vida do homem que vive na sociedade. Por exemplo:  a maneira como se ajuda uma pessoa a desenvolver-se  e manter uma relação saudável no seio da comunidade; (3) competência profissional – a capacidade possuída por um professor no domínio da sua área de especialização, mobilizar os conhecimentos e as habilidades para alcançar as metas definidas, por exemplo, demonstrado através dos conceitos, estruturas gramaticais, metodologia científica, tecnologia, etc; (4) competência pessoal – a capacidade pessoal demonstrada através da teoria adquirida e a prática pessoal, por exemplo: capacidade individual para utilizar as ferramentas tecnológicas tais como smartphone, ipad, ou utilização de média social como whatsapp ou messenger, no exercício das suas funções como professor.

(2) Investir na formação em Llíngua de instrução - pelas opções políticas e constitucionais, adotamos a língua portuguesa como língua de instrução no sistema educativo timorense. Enquanto a língua de instrução, o português torna-se um grande desafio na sua implementação sobretudo no processo de ensino e aprendizagem, quer nas escolas básicas quer nas instituições do ensino superior.

Como nós sabemos, a língua torna-se um veículo essencial para facilitar a transmissão da ciência e tecnologia. Por isso, é urgente investir seriamente na formação da língua de instrução, particularmente da Língua Portuguesa como língua oficial, a par do tétum. Sem o domínio da língua é difícil conceber o domínio das matérias de instrução. Portanto, a formação da língua portuguesa aos docentes torna-se uma necessidade, a fim de promover o uso deste idioma no contexto académico, nas suas modalidades oral e escrita, criando condições para que os docentes desenvolvam as suas competências comunicativas e discursivas, bem como a sua capacidade de utilizar a língua de modo variado e adequado às diferentes situações e práticas sociais.

 (3) Mais investimento para as infraestruturas - a infraestrutura básica torna-se um grande desafio à Educação, a maioria das nossas escolas públicas encontra-se numa condição miserável. Não propícia um ambiente saudável aos alunos para aprenderem a ciência e tecnologia. Não só a falta de salas de aula mas também não há água e saneamento para facilitar os alunos a obterem um ensino de qualidade. As escolas privadas e católicas têm boas condições se fizermos a comparação com as escolas públicas.  Já é tempo de as escolas públicas mudarem de imagem de escolas de segunda classe ou segunda divisão passando a desfilar no topo das escolas de referência em todo o território.

(4) Material pedagógico e outros apoios didáticos são essenciais para a Educação. Timor-Leste é definido como um dos países com a maior taxa de natalidade na região do sudeste asiático, assim, estamos a falhar todos os anos a produzir os materiais didáticos para ajudar o processo de ensino e aprendizagem da nossa massa estudantil. Um dos problemas ad infinitum para o sistema educativo timorense é a falta dos Livros Manuais, pior ainda, não há bibliotecas e laborátorios aos estudantes para praticarem a ciência e tecnologia.

A partir destes desafios, começou a surgir na nossa sociedade timorense os seguintes fenómenos, nomeadamente:

1.      Existe um gap de qualidade entre as instituições educativas.

De facto, a qualidade educativa em Timor-Leste torna-se uma grande preocupação a nível nacional. Em termos de qualidade, as instituições privadas-católicas demonstram um grande avanço em detrimento das instituições públicas. Podemos constatar os output nos resultados finais do exame nacional, normalmente, as instituições privado-católicas ocupam sempre nos rankings dos 10 melhores a nível nacional. Este gap deve-se ao seguintes factos conforme a observação do autor:

1.      Não existem bibliotecas nas escolas para o uso dos alunos como fontes de consultas e fontes de apoios nos seus estudos autónomos.

2.      Não existem laboratórios para fazer experimentações. Segundo o velho adagio latino: Praxis sine theoria est sicut caecus in via, theoria sine praxis est sicut carros sine axi - A prática sem a teoria é como um cego no caminho, a teoria sem a prática é como um carro sem eixo. Há uma mínima divulgação das revistas científicas nas universidades (salvo erro – desculpem, se houver), na qual se possa incentivar a criatividade dos alunos a fazer pesquisas científicas com o intuito de abrir “o leque da inteligência” (A. Cury).

3.      Os docentes não estimulam “a curiosidade epistemológica” (Paulo Freire) dos alunos, com o intuito de “estimular a formação de pensadores e enriquecer a arte de pensar” (A. Cury). Pois, é uma falha da educação no mundo pós-moderno – “a educação nos ensinou a gerenciar máquinas, veículos, indústrias, casas, profissão, mas não a gerenciar os pensamentos”, quer dizer,  as instituições não ensinam os alunos a pensar criticamente (ser homo criticus), onde “os laboratórios são as próprias ideias” (Karl Popper), mas a serem apenas os consumidores das informações transmitidas pelos docentes. Numa palavra, tornamos os estudantes numa massa de repetidores de informações e não de pensadores que amam a arte da crítica e da dúvida. Em suma, poderão ser transmissores de informações, mas nunca serão um mestre da vida (A. Cury).

4.      Não fomentamos a “cultura da leitura” na vida quotidiana dos timorenses, nomeadamente os docentes e estudantes. Enquanto, a leitura é a única via para abrir “as janelas da inteligência”, em busca de novas descobertas. Esta falta de leitura deve-se a dificuldade do domínio das línguas para ter acesso aos livros científicos, por parte dos estudantes e dos docentes, por fim, está a crescer muito, no meio dos estudantes “a falta de honestidade científica”, todos os trabalhos serão consultados por via do Mr. Google. O plágio e copy and paste ainda que sejam crimes, toleram-se nas nossas instituições educativas.

5.      Por último, não há política da divulgação dos livros, com preços acessíveis aos consumidores em Timor-Leste, e mais concretamente para os docentes e estudantes.  

2.      Fomentar ainda a discriminação social na sociedade timorense.   

Podemos constatar esta segregação no panorama atual de Timor: por um lado, uma desigualdade ao nível económico: há ricos e pobres. A gravidade de tal situação está no facto de os ricos se tornarem cada vez mais ricos à custa dos pobres; por outro lado,  uma desigualdade ao nível social, isto é, a má distribuição dos bens da nação. A sua implicação na área da educação, a classe média e das elites têm o poder económico e financeiro para ter acesso a uma educação de qualidade, por exemplo, frequentam as escolas internacionais ou são enviados os filhos para fora do país, enquanto, os "kbiit laek" - famílias economicamente desfavorecidas - continuam a ser marginalizados na sociedade, para eles são criadas as escolas públicas que não têm condições mínimas para efetuarem o processo de ensino e aprendizagem conforme o padrão de qualidade internacional.

Assim,  perdemos a noção do espírito fraterno e solidário da resistência e o vínculo inquebrantável que então estabeleceram entre os timorenses na época da luta, para exigir os nossos direitos mais fundamentais: (1) direito para viver  (right for survival), (2) direito de proteção (right for protection), (3) direito de participação (right for participation), (4) direito para se desenvolver (right for development). Em suma, juridicamente e políticamente, não implementamos com rigor a magna charta da Declaração dos Direitos Humanos, que tão desejada por todos sob a opressão da Indonésia.

3.      Criando o estigma social na sociedade.

O fenómeno social na sociedade atual, podemos reparar que as escolas de qualidades são designadas como escolas dos ricos e das classes das elites, por exemplo, a Escola Portuguesa de Díli, Díli International School ou Colégio Santo Inácio de Loyola Kasait. As escolas cobridas com capím, sem mesas nem cadeiras, são construidas para as famílias economicamente desfavorecidas ou 'kbiit laek. Em suma, a sociedade começa a criar o estigma social que esta escola é boa e aquela é má. Assim, na sua implicação prática os filhos dos ricos e das elites não frequentam as escolas sem qualidades e todos são enviados para as escolas internacionais ou católicas.

4.      A elevada custo de propinas

As escolas/universidade que cobram a elevada taxa de propinas são idênticas como as escolas de qualidade. Isto implica uma grande parcela da sociedade é excluida a ter acesso a uma boa educação, devido a carência económica das famílias.

Assim, surge a questão inqueitante que é a comercialização da educação, isto é, as fundações das instituicões educativas, as vezes interessam apenas pelos lucros em detrimento da qualidade em si, assim substituem a verdadeira cultura académica por uma cultura económica, todo o esforço é para obter os benefícios económicos, pois, a educação é um campo muito fértil para se comercializar aqui em Timor-Leste.

5.      Inexistência do investimento na investigação científica.

O contexto socio-económico de Timor-Leste pode ser encarado como um campo muito fértil para os investigadores realizarem investigação contextualizada à realidade nacional é de grande importância em diversas áreas.

Nesta linha de pensamento, as instituições de ensino superior devem ser o motor da inovação, do pensamento crítico, da ciência e da tecnologia aplicada à realidade e às necessidades do desenvolvimento socio-económico de Timor-Leste. A nível global, a qualidade das instituições de ensino superior está correlacionada com a qualidade das pesquisas científicas realizadas no seio dessas instituições, pelos seus docentes e também pelos seus estudantes. Não há ensino superior de qualidade sem investigação relevante.

Contudo, o próprio Governo nem as fundações das instituições educativas não disponibilizam fundos de pesquisas para facilitarem os pesquisadores, nomeadamente os docentes e estudantes para desvendar sobre a maior riqueza que Timor-Leste possui.

Em gesto conclusivo, faço esta observação de que na tradição timorense, pensa-se que a educação consiste apenas em proferir palavras, isto é, aprender a cartilha na escola, mas antes de mais nada é ensinar “a arte de viver”, isto é, viver segundo determinados princípios e valores. Os sábios gregos costumavam ensinar aos seus discípulos que, para além das causas, existem valores que são incutidos no padrão da qualidade de vida, que devem ser seguidos pelos cidadãos para a construção de um país justo, próspero, fraterno e solidário. Estes valores são adquiridos e transmitidos pela Educação, como locus privilegiados para formar o caráter de todos os seres humanos: quer ser individual quer ser social na lógica de Durkheim.  

A educação constitui um dos principais instrumentos para o desenvolvimento económico, social e político de Timor-Leste, por isso, pretende-se construir um novo Capital Humano baseado nas habilidades e atitudes laborais e de cidadania; saber fazer, saber estar, saber ser e saber conviver nesta  sociedade timorense. Para tal, a retórica política como a Educação é o pilar da consolidação da Identidade e do Desenvolvimento da Nação” deve tornar-se uma praxis aos líderes para investir mais na Educação. Conforme a lógica consagrada no PEDN 2011-2030 sobre o Capital Social:  A verdadeira riqueza de qualquer Nação é a força do seu povo. A maximização da saúde, educação e qualidade de vida gerais do povo timorense é essencial para se conseguir uma Nação justa e desenvolvida”. Portanto, a maior riqueza da nação não é só os recursos naturais como petróleo e gás, mas sobretudo o seu próprio povo que é culto, instruído e sábio, que "permitam, no futuro, virem a ter vidas saudáveis e produtivas, contribuindo de forma activa para o desenvolvimento da Nação”, por isso, os políticos devem optar pela Educação como setor-chave para o desenvolvimento sustentável de Timor-Leste, a fim de transformar o rendimento excepcional do petróleo e gás em capital humanos, lembrando o apelo feito por Dom Basílio do Nascimento, no I Congresso Nacional da Educação: “um país que não aposte e invista na educação, será um país sem alma e manter-se-á estagnado a baixo do nível mínimo do conforto material e espiritual. (…), afirmar que a Educação é o fundamento, é a base da libertação do homem da sua miséria material e espiritual, da sua promoção, (…),  na sua dimensão local e global[22]”, seguindo a Pedagogia da Libertação defendida por Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo, Educação muda as pessoas. As pessoas transformam o mundo”. Por forma a tornar Timor-Leste numa economia competitiva, de alta produtividade, isto é, uma economia competitiva, assente na produtividade da mão-de-obra e na eficiência das organizações, com cidadãos com capacidade de gerar e absorver inovações científicas, tecnológicas, administrativas do nosso tempo; uma economia não dependente dos recursos naturais, nomeadamente do rendimento petrolífero.

Todos temos de dar o nosso contributo para que seja concretizada a visão sonhada e definida para a nossa Nação a fim de, em 2030, Timor-Leste tornar-se-á um país com rendimentos médio-altos, com uma população saudável, instruída e segura.

 

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SCHWAB, Klaus, A Quarta Revolução Industrial, Lisboa, Levoir, 2017.

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VASCONCELOS, Pedro Carlos Bacelar de (Coord.), Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, Braga, Editor Direitos Humanos-Centro de Investigação Interdisciplinar, 2011, 215-217.



[1] Ministério da Educação, IIIº Congresso Nacional da Educação, 2017, 60-77.

[2] COMISSÃO G, Relatório Parlamentar da Comissão G, está disponível em Agência LUSA, 30 de setembro de 2020.

[3] Timor-Leste, Plano Eswtratégico do Desenvolvimento Nacional 2011-2030, 20.

[4] VASCONCELOS, Pedro Carlos Bacelar de (Coord.), Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, Braga, Editor Direitos Humanos-Centro de Investigação Interdisciplinar, 2011, 215-217.

[5] Lei de Bases de Educação, nº 14/2008, de 29 de outubro.

[6] GUSMÃO, Martinho G. da Silva (Editor), “…Sabemos, e podemos, e devemos vencer!” Antologia de Textos para uma “auto biografia” intelectual de Nicolau dos Reis Lobato, Malang, Dioma, 2018, 223.

[7] GUSMÃO, Xanana, Timor-Leste, um  Povo e uma Pátria, Lisboa, Edições Colibri, 1994, 54.

[8] VASCONCELOS, Pedro Carlos Bacelar de (Coord.), op. cit., 215-217.

[9] DURKHEIM, Émile, Educação e Sociologia, São Paulo, Edições Melhoramentos, 1978, 83.

[10] DURKHEIM, Émile, op. cit., 41.

[11] REGO, Amancio Mauricio Xavier, Educação: Concepção e Modalidades, in Scientia cum Industria, Vol. 6, Nº 1, 2018, 38-47.

[12] ARRANHA, Maria L. de Arruda, Filosofia da Educação, São Paulo, Editora Moderna, 1990, 51.

[13] DELORS, Jacques, et al., Educação um Tesouro a Descobrir, São Paulo, Cortez Editora, 89.

[14] SCHWAB, Klaus, A Quarta Revolução Industrial, Lisboa, Levoir, 2017,99.

[16] CUNHA, Maria A. de Almeida, Sociologia da Educação, Belo Horizonte, Editora UFGM, 2010, 17.

[17] ARRANHA, Maria L. de Arruda, op. cit., 50.

[18] BOBBIO, Norberto, O futuro da democracia; uma defesa das regras do jogo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, 30.

[19] DELORS, Jacques, et al., op. cit., 61

[20] MAUNA, Dr. HJ. Binti Sosiologi Pendidikan, Yogyakarta, Media Akademi, 2016, 199. 

[21] MAUNA, Dr. HJ. Binti, Op. Cit., 199. 

[22] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, CULTURA, JUVENTUDE E DESPORTU, I Congresso Nacional da Educação, Díli, 29 a 31 de outubro de 2003, 172-180.

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