Palestina protestou utilização de sete brasileiros pela seleção timorense. Primeiro-ministro exige investigação. O caso que está a abalar o futebol local
Por João Tiago Figueiredo 21 de Outubro às 10:14
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Por João Tiago Figueiredo 21 de Outubro às 10:14
Foto: D.R./SAPO Desporto |
Este tinha tudo para ser um período de festa em Timor. A seleção nacional ultrapassou, pela primeira vez, uma eliminatória a caminho de um Mundial de futebol e está a bater-se com países bem mais cotados no panorama asiático, como a Arábia Saudita ou os Emirados Árabes Unidos.
A antiga colónia portuguesa escreveu história mas, atualmente, a questão que fica é: a que custo?
A naturalização de vários jogadores brasileiros (só no jogo com a Palestina foram utilizados sete) está a criar polémica em Timor. Quando o clima deveria ser de festa (apesar da ausência de vitórias nesta fase do apuramento), o que reina é o conflito e a preocupação. Há muita gente que não quer vencer a qualquer custo. Há quem, por outro lado, entenda que é preciso este empurrão para que o futebol no país possa dar um salto qualitativo.
A questão, além de levantar problemas do ponto de vista ético, também os levanta do ponto de vista legal, convém sublinhar. E, nesta altura, talvez seja mesmo o lado mais delicado deste imbróglio.
As regras de naturalização em Timor são diferentes daquelas que a FIFA exige. O órgão que tutela o futebol mundial obriga, entre outros aspetos, a um período de residência no país no mínimo de cinco anos para poder representar a seleção, algo que não é necessário em Timor. Ou então a ser descendente direto de um cidadão local.
As regras na antiga colónia lusa permitem dar a nacionalidade timorense a quem falar português (o que habilita qualquer brasileiro) e possa vir a prestar «um serviço de relevância ao país». Entre os brasileiros que passaram a integrar a seleção, há quem nunca antes tivesse colocado os pés em solo timorense.
A Palestina, que empatou 1-1 com Timor no último dia 8 de outubro, já confirmou publicamente ter apresentado um protesto junto da FIFA para que esta averigue a legalidade das naturalizações. O golo timorense nesse jogo, por exemplo, foi marcado por Ramon Saro, brasileiro nascido no Paraná mas, curiosamente, o único que joga no futebol local, no caso no FC Porto Taibesi.
Diogo Rangel e Paulo Helber passaram pelo Dili United em 2011, mas estão no Brasil, no Bragantino, e no Laos, no Lang Xang intra, respetivamente. Mas há casos mais estranhos: Juninho está no Avaí e nunca jogou em Timor; Patrick Fabiano está no Kazma do Kuweit e nunca jogou em Timor; Rodrigo Silva compete nos Emirados e nunca jogou em Timor.
Todos eles foram titulares com a Palestina. O Maisfutebol contactou vários dos jogadores, ao longo dos últimos dias, como Patrick Fabiano, Paulo Helber ou Diogo Rangel, mas esbarrou num muro de silêncio. Ninguém se quer manifestar.
O tema, percebe-se, é delicado apesar de Fabiano, por exemplo, o ter comentado recentemente ao «New York Times». O que só adensou a polémica.
«No meu caso, recebi um convite direto. Disseram-me: damos-te passaporte timorense e jogas por nós. Gostamos do teu estilo de jogo e precisamos de um avançado como tu», contou Patrick Fabiano ao jornal norte-americano.
Questionado sobre a legalidade do processo, alertou que se mudou para Timor «há mais de dois anos», o que, claro está, não é suficiente pelas normas da FIFA. «Desconhecia isso», assumiu, então.
«Melhorar as competições locais deveria ser a prioridade»
O Maisfutebol conversou com José Luís, antigo jogador do Benfica e selecionador de Timor em 2004. «Um tempo diferente do atual», como o próprio alertou.
«O número que me diz, de sete jogadores em onze, é claramente um exagero. Não se justifica. Percebo, por um lado, a ideia. Os timorenses são jogadores tecnicamente evoluídos mas com muitas dificuldades na parte tática e de organização do jogo. Creio que a aposta nos brasileiros passe por aí, para dotar a equipa de mais experiência para defrontar equipas mais fortes», afirma o português.
José Luís considera, contudo, que este processo significa «atalhar caminho a qualquer custo» na evolução do futebol local. E frisa aquela que considera ser o principal problema: «As competições locais têm pouca qualidade. Há poucos clubes, falta um campeonato a sério, oficial. Isso não ajuda.»
A população local está dividida. Os clubes, esses, não gostam. Basta ver, de resto, o que disse Fernando da Encarnação, presidente do Sport Dili e Benfica, o emblema mais representativo do país, ao «New York Times».
«Esses brasileiros não jogam nas nossas competições por isso não estão a contribuir para aumentar o nível do futebol cá», lamentou, acusando ainda os jogadores de estarem a ser pagos para jogar por Timor, algo que, claro está, carece de provas.
No Facebook foi criado um grupo chamado «Amantes Futebol Timor Leste», que contesta a utilização dos brasileiros a qualquer preço e exige mesmo uma investigação.
«Eles vêm, ficam um dia cá e recebem passaporte timorense para jogar na seleção», acusa José Luís de Oliveira, criador da página.
A verdade é que o tema já chegou ao Primeiro Ministro, Rui Araújo, que exigiu uma investigação a todo este caso para que se perceba em que condições foram atribuídas as naturalizações. Sublinhe-se que o presidente da Federação Timorense de Futebol, Francisco Kalbuady Lay, faz parte do executivo e com um cargo, de certa forma, irónico sobre este processo: é Ministro do Turismo.
A influência de um selecionador…brasileiro
José Luís nega ter sido abordado, durante o período em que foi selecionador, sobre a possibilidade de naturalizar jogadores para jogarem na seleção. «Nunca houve esse jogo de bastidores», garantiu ao nosso jornal. «O que eu me bati sempre foi por uma melhoria nas equipas e competições. Mas o país vivia também um período, ainda, de muitas dificuldades. Já foi há 11 anos, muito mudou, certamente, e acredito que a Federação seja, agora, mais profissional», salienta.
Ainda assim, entende a frustração do povo, ou de parte dele. «Acredito que sejam vitórias de sabor amargo. Há sempre o orgulho nacional», recorda, embora lembre que, em vários países da Ásia, a naturalização de jogadores seja processo banal. «Lembro-me de Hong Kong que também tinha brasileiros», recorda.
«Já agora, o selecionador é de que país?», questiona José Luís. Esclarecemos. Trata-se de Fernando Alcântara, também ele…brasileiro. «Ah…Desconfiei logo. Acredito que ele também possa ter influência neste caso», comenta, entre risos.
A verdade é que Patrick Fabiano confirmou esta ideia deixada por José Luís. «Alguns jogadores chegaram por indicação do treinador ou de outras pessoas da equipa técnica», disse.
Ao site da ESPN Brasil, o selecionador timorense salientou os pontos positivos do processo de naturalizações.
«A principal técnica da equipe vem com os profissionais que não são daqui, principalmente os brasileiros, que conseguiram passaporte e, quando são convocados, elevam consideravelmente o nível técnico da equipa. Nunca Timor havia passado para a segunda fase das eliminatórias, mas com a presença de brasileiros isso foi possível», salientou.
É a outra face da moeda: vitórias entre lamentos. Copo meio cheio ou copo meio vazio? O debate promete continuar a fazer correr tinta em Timor e o que parecia um crescimento do futebol numa nação fundada em 2002, pode acabar por ser, apenas, um engodo. Ou, como diriam os brasileiros, uma trapaça.
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