RECORDANDO O
PADRE JOSÉ MARIA BARBOSA, ANTIGO SUPERIOR DA MISSÃO DE ERMERA
Dom Carlos Filipe Ximenes Belo |
Nasceu
a 22 de abril de 1933, em Louredo, Paredes, contava 82 anos de idade Foi
ordenado em 5 de agosto de 1956. Em 1957 foi nomeado cooperador de Valongo, e
em 1959 cooperador de Jovim. Em 1959 foi pároco de Vila Verde e Aião
(Felgueiras). Depois de ter regressado de Timor-Leste, desde 1985, desempenhava
as funções de capelão do Centro Hospitalar do Vale de Sousa e de Santa casa de
Misericórdia de Penafiel. O seu funeral, presidido pro Dom António Taipa, bispo
auxiliar do Porto, realizou-se na terça-feira. 3 de março de 2015na igreja da
Misericórdia de Penafiel.
Conheci
o saudoso padre José Barbosa nos finais de Agosto de 1975, na Missão de
Maliana. Naquela segunda quinzena do mês deram-se importantes factos no então
Timor Português: a Fretilin acabara de desencadear um contragolpe e começava a
controlar a cidade de Díli, obrigando os partidos pró-integração (UDT, Apodeti
e Kota) a procurarem o refúgio em Timor ocidental (Indonésia); o governador
português Mário Lemos Pires e a sua equipa abandonavam Díli e foram refugiar-se
na ilha de Ataúro. Para os portuguese, chineses, mestiços e alguns timorenses, iniciava-se o êxodo geral: Portugal,
Austrália, Macau e Indonésia. Foi, neste ambiente de confusão e de guerra
civil, que, eu, ainda seminarista, saí de Díli e fui para Maliana, onde fui
acolhido pelo missionário goês, padre Santa Roque Pereira.
Num
domingo à noite, chegavam também a Maliana o padre José Barbosa e quatro irmãs
dominicanas. Nesse dia, o missionário tinha ido celebrar a Eucaristia na Estação
Missionária de Hatolia. Com a entrada das forças da Fretilin na vila de Ermera,
dera-se a debandada geral por parte dos membros e simpatizantes da UDT. O
missionário e as religiosas que não estavam filiados em nenhum partido foram
obrigados a seguir para a fronteira. Com notícias da tomada de Maliana pelas
forças da Fretilin, seguimos todos (padres e freiras e aspirantes ao noviciado)
para a Batugadé, povoação fronteiriça. No dia 31 de agosto de 1975, entrávamos
no território indonésio. Chegados à vila de Atambua (Timor indonésio), o padre Santa
Roque Pereira (superior da Missão de Maliana), o padre José Barbosa (superior
da Missão de Ermera) e eu fomos recebidos pelo Vigário geral da Diocese que nos
deu hospedagem na residência do Bispo de Atambua. Entretanto, chegaram outros
sacerdotes da Diocese de Díli, os quais foram acolhidos no paço. Recordo-me que
nessa altura, o saudoso padre José Barbosa não levava bagagem; apenas trazia as
alfaias da missa, o breviário, a batina branca e a roupa que trazia no corpo.
Depois de um mês em Atambua, eu recebi ordens dos meus superiores para seguir
para Macau, onde iria completar o estágio no Colégio Dom Bosco. Os sacerdotes
da Diocese de Díli aguardavam em Atabua momento favorável para regressar às
suas Missões.
Em
Dezembro de 1975, deu-se a entrada das Forças Armadas indonésias em Timor
Português. O padre Jose Barbosa e outros sacerdotes só voltaram para as suas
Missões em março de 1976. Soube mais tarde, que o padre José Barbosa tinha
regressado à sua querida Missão de Ermera onde iria permanecer até julho de
1983. Entretanto, registavam-se combates entre forças indonésias e as Falintil
(da Fretilin); com o controle militar indonésio, as populações estavam encurraladas
nas suas povoações; não tinham liberdade de movimento, nem de reunião, nem de
opinião: vivia-se um período de sofrimento, de doenças, de fome e de morte.
Nesses anos conturbados, o missionário José Barbosa não deixava de visitar os
cristãos das estações missionárias: Letefoho, Atsabe, Hatolia e Fatubessi.
Mesmo em período de guerra, ele exortava os cristãos a manterem-se unidos,
sobretudo, com a reza diária do terço, da adoração ao Santíssimo Sacramento e,
na construção de capelas. Disse-me ele um dia, que, com coração dolorido,
assistia ao carregamento de toneladas de café (da população), por parte dos
soldados indonésios, quer em camiões, quer em helicópteros…para Díli, e dali…
para Indonésia…
Em
12 de maio de 1983, fui escolhido pelo papa João Paulo II para novo
Administrador Apostólico ad nutum Sanctae
sedis da Diocese Díli. Nos encontros que tive com ele na Câmara
Eclesiástica, o padre José Barbosa falava da sua catividade em Ermera, das suas
visitas às aos Postos Administrativos (Kecamtan),
e, das suas preocupações de paz, de reconciliação e do respeito dos direitos
humanos! Um dia em que estávamos reunidos em Lahane para o retiro do clero, o
padre manifestou o desejo de abandonar Timor e regressar a Portugal. Queixava-se
de que tinha a saúde abalada e os nervos à flor da pele…Calei-me, e apenas respondi:
“quando quer partir?”
Foi
com muita pena nossa que vimos sair de Timor, o último padre secular português.
A Diocese de Díli e os cristãos de Ermera perderam um sacerdote amigo, um
pastor zeloso e um missionário generoso.
Semanas
depois, fui a Ermera presidir às cerimónias da instalação do novo superior da
Missão. Depois da Eucaristia, os cristãos ofereceram um “copo de água”, onde
não faltaram além, do rico menu, saborosos ananases. Perguntei a um catequista:
De onde vieram estes ananases assim tão saborosos? – Dos jardins da residência!
E foram plantados pelo Padre José Barbosa, nosso antigo superior!”
Rezo
para que o padre José Barbosa descanse em paz e, lá do céu, possa interceder
pelos cristãos de Ermera e pelo povo de Timor-Leste que ele tanto amou e soube
servir!
Dom Carlos
Filipe Ximenes Belo
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