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20150127

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA NAÇÃO TIMORENSE

Por Abílio Araújo

Palestra proferida no Salão Nobre do Ministério dos Negócios Estrangeiros, por ocasião da Conferência Internacional sob o Tema “Memória e Identidade Nacional“

Dr Abilio Araujo
Minhas senhoras e meus senhores,

Em muito boa hora, os Responsáveis do Museu da Resistência e da Fundação Mário Soares  tiveram a feliz iniciativa de organizar esta Conferência Internacional dos Países da CPLP sob o tema Memória e Identidade Nacional. Escolhi, por isso, o tema da Formação da Nação Timorense que importa estudar e refletir sob pena de não conhecermos a nossa própria Cultura e Identidade Nacional porquanto amiúde se tem ouvido, inclusivamente de vários responsáveis políticos declarações taxativas como a de que “o Liurai Dom Boaventura foi um líder da Luta de Libertação Nacional do nosso Povo e Pais”.

Nada de mais errado, no meu entender. Esta foi a razão principal que me levou a aprofundar um Estudo cujas conclusões são aqui apresentadas como Tese a suscitar eventualmente outras dissertações e contribuições.

1. INTRODUÇÃO

Abordar questões como o processo da formação das Nações Novas do chamado 3.o Mundo que após a descolonização se erguem em Estados Modernos pode parecer à primeira vista um empreendimento próprio do intelectual colonizado que procura na sua tese a afirmação da personalidade de um Povo a que pertence e cuja individualidade e capacidade próprias têm sido negadas ao longo dos séculos. Pode parecer, por outro lado, um absurdo abord­á-lo num contexto histórico em que o colonialismo das velhas potências europeias já não recorre à argumentação de que os povos que dominava não tinham história ou não eram mais do que comunidades atrasadas e sem civilização a quem era necessário dar a mão; em que são os próprios intelectuais das metrópoles coloniais que propalam a sua admiração para com as civilizações milenarias em continentes que foram palco de sequelas e disputas colonialistas.

Consideramos de tamanha importância debruçarmo-nos sobre a formação da nacionalidade na maioria dos países coloniais em que também se inclui Timor-Leste para compreendermos em última instância, a resistência do Povo Timor na sua luta secular contra as potências estrangeiras pela afirmação da sua identidade própria. Nós que pertencemos a uma nação cujo Povo lutou e luta denodadamente para se afirmar como uma nação una que também tem o direito a ser ouvida e a gerir soberanamente os seus próprios recursos, ao analisarmos a formação da nossa nacionalidade, fazemo-lo no intuito de conhecermos as nossas próprias forças, a força da nossa unidade nacional para nos batermos a qualquer hora e em qualquer momento contra todos quantos procuram negar-se a reconhecer uma aquisição histórica do nosso Povo – a nacionalidade, e ainda hoje não descansam porque continuam a empenhar-se em fazer de Timor Leste “um Estado Falhado”.

O colonialismo continua a existir. Continuam tal como no passado a insaciedade e a ganância imperiais de dominar para explorar, pois o colonialismo nas suas várias manifestações ainda não desapareceu da face da terra. Um eminente membro do Governo Indonésio, atualmente uma figura de destaque no Gabinete do actual Presidente da Republica da Indonésia, desabafou-me poucos anos após o Referêndum de 1999 nos seguintes termos: A Indonésia foi também vitima do Ocidente  .

De facto, a ocupação de Timor ocorrida no último quartel do seculo XX teve como protagonista um País que também tinha lutado denodadamente pela afirmação da sua nacionalidade contra o colonialismo das velhas potências ocidentais.

Finda a época colonial europeia surgiram em campo novos colonizadores, países do chamado 3o. Mundo cujas elites não hesitaram em forjar argumentos muitas vezes de aparência anticolonial como por exemplo, o de “ajudar esses mesmos povos, neste caso, o Povo de Timor Leste na sua luta contra o colonialismo das velhas potências”. Mas como a base deste argumento é por demais inconsistente. Recorreram ao seu principal argumento da existência nacional comum somente dividida com o advento do colonialismo ocidental, argumento que pretende ser de natureza histórica.

Efetivamente, tem sido este o argumento número um do colonialismo dos países do chamado 3.o Mundo baseado na negação da existência de nacionalidades dos povos que, de facto, ergueram as suas nações ao longo do período histórico da dominação e resistência anticolonial.

Há uma necessidade premente de encarar as fronteiras políticas de uma nação de uma forma objetiva e encontrar as razões fundamentais que possibilitaram a sua unidade por vezes erguida sobre a diversidade. Ter a noção clara de que a unidade nacional quando assente meramente na unidade territorial e porque surgida por pressões de forças exteriores ou somente dos tratados internacionais, ela é necessariamente fictícia, artificial. Um dia quando tal unidade já não servir como foi o caso de Timor Leste apresentado como parte integrante dos antigos impérios javaneses, as mesmas forças de que falava o citado Governante Indonésio, irão nega-la. A unidade para ser nacional tem de ser o resultado de forças internas na sua dinâmica, na superação pela dialética dos antagonismos existentes internamente, e os antagonismos entre o conjunto de forças internas e externas. Só assim haverá uma verdadeira unidade nacional que resistirá ao sopro dos vendavais e tufões provenientes daqueles que pretendem abalar a nação.

Entendemos, assim, nesta linha que as direções políticas de todos os Povos que vivem sob o colonialismo ou dele foram vítimas, verdadeiramente interessadas numa real libertação e progresso dos seus povos devem utilizar a análise da formação da sua nacionalidade como um precioso instrumento de trabalho para consolidar a nacionalidade e assegurar a unidade indestrutível da nação e da Pátria.


2. A PRÁTICA DIVISIONISTA DO COLONIALISMO.
RAZÕES DO SEU SUCESSO.

Na fase anterior à colonização, os Povos que ainda hoje vivem sob o colonialismo ou os que já se tornaram independentes, desenvolviam independentemente os seus esforços para a sua manutenção e sobrevivência e estabeleciam entre si relações igualitárias no plano de convivência. Numa dada época histórica, as exigências do desenvolvimento do modo de produção capitalista em Países europeus obrigam a que esses Povos se “abram” e se “enquadrem” no modo de produção capitalista mundial. Da fase do comércio ou da rapina que carateriza os primeiros tempos dos contactos bilaterais com as potências europeias passarão para uma nova fase em que esses Povos são obrigados a submeter-se totalmente às imposições estrangeiras. De facto, esse enquadramento no modo de produção mundial capitalista vai torná-los meros produtores de matérias-primas que são exploradas diretamente do subsolo para serem enviadas e transformadas nas metrópoles coloniais; vai especializar os seus territórios em culturas tropicais cuja produção em regime de cultura extensiva e monocultura assegura as necessidades das metrópoles coloniais; vai estrangular a economia local já que são forçados a abandonar a sua agricultura de autossubsistência quer porque as terras são hoje ocupadas pelas monoculturas quer porque a mão-de-obra é inteiramente desviada para essas culturas coloniais.

Deste modo, duma primitiva imposição restrita ao nível económico-comercial passar-se-á para uma outra forma mais sofisticada em que esses Povos coloniais acabam por viver uma dominação total estrangeira politica, militar, económica e cultural. Esses povos agora dominados irão então recorrer às formas mais variadas de luta para se libertarem do ocupante estrangeiro.

Os esforços anteriores para a manutenção e sobrevivência através de um processo de transformação das suas estruturas internas e de convivência pacífica com os seus vizinhos ou de luta pela supremacia e alargamento territorial tendente à unificação política – situação verificada em Timor antes do advento colonial – substituem-se para dar lugar ao uso de formas de luta capazes de expulsar o estrangeiro dominador.

A história das lutas anticoloniais é portadora de inúmeros exemplos de Nações que conseguiram durante épocas sem fim não dar tréguas aos invasores. Em Timor Leste onde viviam, antes da dominação colonial, vários Povos em distintas unidades territoriais delimitadas entre si para atestarem a sua independência entre uns e outros, em que os mesmos viviam um processo tendente à sua unidade territorial e política dentro do dinamismo social da História, poucas vezes as potências coloniais sofriam derrotas totais que geralmente foram registadas na fase inicial da penetração colonial. Este é o caso dos Países coloniais como Timor-Leste onde a resistência e luta anticoloniais posteriores se não revestiram de um carácter unitário mas eram unicamente ações militares de reinos sob a direção dos chefes políticos – Liurais e Datos – que atuando isoladamente procuravam combater o estrangeiro usurpador e ocupante.

Importa-nos a nós sujeitos ativos na luta pela libertação nacional ir um pouco mais ao fundo e ver o porquê do sucesso da política divisionista, e um dos fatores responsáveis pela sua dominação secular. Impõe-se por outro lado às gerações atuais dos Povos do chamado  3.o Mundo que “descobrem” os erros dos seus maiores não procurar erguer logo a primeira pedra e arremessá-la contra eles. A tarefa de todos nós que procuramos ler a História passada consiste em interpretar as ações dos nossos maiores no contexto das épocas históricas em que viveram, procurar tirar lições das situações do passado e transformar as nossas realidades fazendo a nossa História.

De facto, podemos chamar ao divisionismo baseado nos reinos antigos uma racionalidade colonial. Esta racionalidade não é mais do que o modo como utilizou para seus fins, aspetos próprios e caraterísticos do nível do desenvolvimento histórico dos Povos. A ideologia colonial sempre esteve impregnada de uma constante dose de negação da História dos Povos colonizados, mas a prática colonial efetivamente revela a sua aceitação de que os Povos colonizados têm a sua História.

Torna-se deste modo imperioso ao colonizador, integrar-se e caminhar na História dos Povos colonizados até que isso deixe de lhe ser necessário. Como sujeito secundário nesta etapa histórica vai tomar parte nos arraiais das lutas inter-reinos. Ao mesmo tempo promete e seduz os Datos e Liurais a quem apoia e que vão ser as primeiras elites coloniais cheias de privilégios que ao longo de quatro séculos se foram perdendo.

 A penetração colonial em Timor seguiu este caminho. Tanto os liurais de Mena como os de Lifau que ja conheciam os frades mercadores portugueses desde 1515 nunca se tinham convertido ao Cristianismo. Somente, cerca de século e meio mais tarde, em 1642, após a destruição de Mena pelo rei macassar de Tulo, a Rainha de Mena se prontificou a ser batizada. Na sua ofensiva de retaliação, os poucos frades dominicanos apoiaram Mena e os outros reinos limítrofes a marcharem sobre o potentado de Behale que ficou reduzido a cinzas. O Liurai de Behale era considerado ao tempo o suserano dos suseranos da Confederação dos Belos cujo território era circunscrito ao atual Timor Leste.

Os ideólogos e propagandistas do sistema colonial português apregoaram aos quatro ventos que, não foi a espada que conquistou Timor mas sim “a água e o sal”; um olhar mais atento e aprofundado dos factos históricos e um avivar da Memória Coletiva de certeza que irá refutar tal asserção.

Não há dúvida de que o objetivo do divisionismo é sempre sensivelmente o mesmo: “dividir para reinar”. E esta prática tem de ser diferente conforme as épocas históricas. A mobilização dos Povos para a luta inter-reinos é possível porque os fatores de mobilização se enquadram no desenvolvimento histórico dos reinos e dos seus povos, como sejam, a disputa pela supremacia política, a luta pelo alargamento territorial, a luta pela aquisição de novos direitos ou pela reconquista dos direitos perdidos, etc... Porém, destruídas as estruturas dos reinos e com eles os fatores que levam os povos a essas lutas, o próprio papel dos “falsosliurais, deixa de valer e de ter significado aos olhos dos seus “súbditos”. Quantas vezes pudemos registar em Timor-Leste durante a ocupação colonial a apatia e a passividade geral de “súbditos” de diversos reinos perante as inimizades ancestrais que ainda se mantinham e opunham os seus liurais !

Gradualmente o colonialismo exerce o seu domínio em todo o território como o caso de Timor, onde a exploração económica vai incidir na agricultura de exportação de produtos como o café, dando inicio ao ciclo económico do café em substituição do ciclo económico do sândalo. Os povos mais duramente afetados veem ameaçadas as suas estruturas politicas, sociais e económicas que paulatinamente se desagregam. Estes povos devido à afetação mais direta dos seus recursos. A começar pela usurpação e ocupação das terras dos Reinos para a criação das “Plantações Comunais” vão pegar em armas e enfrentar as chamadas “guerras de pacificação” que terminaram com a derrota de 1912 da Guerra de Manufahi liderada pelo Liurai Dom Boaventura.

D. Boaventura representou o símbolo de um esforço patriótico na conjugação dos reinos de Timor para uma Acão unitária. Porém, o seu fracasso revela, por sua vez a heterogeneidade dos vários reinos de Timor, cada vez mais enfraquecidos e atingidos pela dominação colonial.

Por isso, consideramos feliz a expressão de Teófilo Duarte sobre as últimas guerras independentistas que foram na sua opinião "os estremeções epiléticos dum povo que sufocava nas malhas apertadíssimas duma organização administrativa que lhe paralisava os movimentos desordenados e atrabiliários."

A introdução de novas medidas administrativas coloniais, a partir de 1900, medidas que enumerámos atrás e que deram origem à última Guerra Independentista de Manufahi, não foi obra impensada, fortuita do colonizador. Este jamais poderia abalançar-se para uma Acão deste calibre se não tivesse, previamente, repensado e equacionado o equilíbrio de forças existentes.

Avançou nas suas medidas porque verificou que o fiel de balança pendia a seu favor.

Filomeno da Câmara, a propósito da concessão de 50 hectares de terreno aos liurais para serem cultivados em seu proveito próprio, como compensação das medidas restritivas da autoridade e soberania dos mesmos, contidas nos decretos de 13 de Setembro de 1906 e de 23 de Abril de 1903, além de considerar precária e quase ridícula concessão", acrescenta: " ... Deve ter arrancado muita gargalhada de escárnio e muito ranger de dentes de ódio e despeito, por essa ilha fora." Por isso o mesmo governador não se esquiva a afirmar em relação aos liurais que aquelas medidas foram "acima de tudo o traço definitivo sobre a sua semi-independência, ou total independência nesse apagado regime feudal, em que o Governo Português era reconhecido, com certa chocarreirice, como suserano." Acrescenta ainda: "Não iam muito longe os tempos em que os governadores se dirigiam aos régulos (Liurais) tratando-os oficialmente em documentos emanados da Secretaria por Vossa Majestade.”

Discordamos todavia das afirmações do mesmo governador ao dizer sobre a Revolta de 1911-12: "revolta que foi dos régulos e não dos povos." Em nossa opinião foi a revolta de toda uma sociedade que quis libertar-se do colonialismo português para salvaguardar a racional correspondência entre as suas estruturas - política, social e económica - e permitir o seu livre desenvolvimento até que novas mutações internas motivassem a sua rutura. A lei do aforamento de terras não cerceou unicamente as regalias de liurais e datos - classe da nobreza - que viram escapar das suas mãos a renda da terra - rai ten - recebida dos camponeses, mas também tirou a estes a terra que cultivavam!

Poderíamos focar aqui também a deslocação de mão-de-obra para os sectores de economia colonial e as consequências que dela advêm, etc., etc.. Deve acrescentar-se também que a estrutura social e política sofreu profundas alterações.

 “... A autoridade dos chefes indígenas diminuiu, a integridade territorial e política dos reinos desapareceu, as populações deixaram de estar subordinadas aos 'liurais’, a ‘dato’ e a tunungões' que os escravizavam e exploravam para dependerem quase diretamente dos representantes da autoridade portuguesa.

Logo após a campanha de Filomeno da Câmara, o sistema eletivo dos chefes indígenas alterou-se. Para substituir os liurais infiéis foram eleitos, pelos indígenas, os guerreiros que mais se haviam distinguido nas lutas, - mesmo que não fosse ‘dato’. Esta casta foi assim desaparecendo, pois os novos chefes, embora -respeitados por hábito, já não puderam formar uma aristocracia semelhante a dos 'dato' . (Sublinhado nosso).

O decreto No 547 de 22 de Dezembro de 1972 onde se define o "Estatuto Político-Administrativo de Timor" veio "elevar" os liurais a categoria de "regedores"! O colonialismo avançou depressa! Não é descabido recordar aqui como em 1702, o primeiro governador português das ilhas de Solor e Timor, Coelho Guerreiro recebeu o liurai Senobai com "infantaria formada e cortesias militares"!


3. AÇÃO EROSIVA DO COLONIALISMO SOBRE AS ESTRUTURAS DA SOCIEDADE COLONIZADA. A CESSAÇÃO DAS RIVALIDADES E DOS CONFLITOS INTER-REINOS.

No território “pacificado” há uma profunda divisão que separa, por um lado, a autoridade colonial com as suas forças e os seus leais servidores - elite, e, por outro lado, a grande maioria do Povo oprimido. No seio desta maioria constituída por um conjunto de reinos, ontem em lutas rivais, desenvolve-se um novo tipo de relações. O facto de todos viverem a mesma situação faz quebrar as barreiras que existiram no passado.

Colonizados de duas regiões que antigamente se rivalizavam vão trabalhar agora juntamente nas plantações, nas estradas na construção civil ou minas. Hoje, encaram-se mutuamente como companheiros de infortúnio. Ambos são iguais entre si, são de facto, semelhantes. Para as vastas massas oprimidas, de facto, os conflitos regionais pouco a pouco deixam de existir pois não levam a nada. Podem, por vezes, registar-se contendas cujas raízes provenham do passado, mas a justiça colonial que sobre a matéria nada conhece pune ambas as partes com trabalho forçado e gratuito pois já não há necessidade de se apoiar numa para combater a outra.

Se ainda existirem os conflitos que opunham os reinos, então, a propósito de quê? A propósito de terras, de supremacia política? Não. Já não há terras para serem disputadas pelos reinos que se opunham no passado! Já não há poder para ser disputado! É que todas as comunidades, todos os reinos perderam as suas terras e o poderio que tinham alcançado e disputado através da História! As terras hoje são do colonizador e o poder é ele quem possui, depois de ter passado a certidão de óbito que instituiu as leis de aforamento de terras, as leis sobre a nomeação de indivíduos para cargos de “chefes tradicionais”, etc...

Aqui, recordo o eminente líder africano Eduardo Mondlane, Primeiro Presidente da FRELIMO:

“No princípio, eles tinham a Bíblia e nós a terra. Hoje eles têm a terra e nos ficamos com a Bíblia”

O viver é para o colonizado o abandono e renúncia de si mesmo, o seu próprio suicídio que dá entrada ao paraíso do colonizador. O que pode ser alcançado individualmente como se verifica com os elementos que constituem as elites assimiladas não acontece ao nível da maioria do Povo que não tem outra alternativa que não seja a de RESISTIR.

Este período de tempo repleto de durezas e amargura mas também de heroísmo e força dos povos colonizados corresponde a uma Nova Fase da sua História.

Por isso, não ousamos fazer a afirmação de que o colonialismo parou a História dos Povos colonizados mas tao somente pôs termo a uma época histórica. A etapa seguinte ou a História da dominação colonial é aquela em que os povos colonizados vão superar as formas arcaicas dos modos de produção pré-coloniais atrofiados e destruídos pelo modo produção colonial/capitalista, e, na sua luta contra o poder colonial vão fazer surgir a Nova Nação erguida sobre a unidade de todas as comunidades dos Povos existente no território colonizado, tanto mais desenvolvida e forjada quanto maior for a determinação na luta travada contra o colonialismo. O fenómeno de superação verificado nesta nova fase histórica é, como já iniciámos de descrever, engendrado pela própria situação colonial.

Podemos, pois, afirmar que o colonialismo estrangulou a História dos Povos colonizados no momento em que as chamadas campanhas de pacificação foram bem sucedidas. A partir de então, a estrutura política da sociedade colonizada passou a ser mero quadro funcional integrado no mesmo sistema – o sistema colonial – enquanto a sua estrutura económica, submetida à Acão erosiva do colonialismo, pouco a pouco, foi sendo destruída, este foi o caso de Timor. Um distinto Liurai de Timor, o Dom João do Reino de Aileu, filho do lendário Liurai Asu Koli Lemorai,  desabafava-me assim em 1974: “ Hoje sou um Liurai Maubere”

A estrutura económica do reino é enquadrada pela força na do sistema colonial através das Plantações Comunais dos Reinos, e à medida que a penetração colonial se efetua de uma forma mais vincada e violenta, ela caminha para a destruição. Aqueles povos cuja economia era fechada e de subsistência ou era de agricultura diversificada e com um comércio interno e inter-reinos em desenvolvimento – caso de Timor-Leste em que o Tétum era a língua franca e continua a sê-lo – entram no circuito das relações capitalistas e mundiais de produção quando trabalham nos sectores da economia colonial.

O uso indiscriminado de mão-de-obra e o seu desvio para os sectores de economia colonial (plantações) trazem, por sua vez, o desmantelamento da divisão social de trabalho existente no reino. Os artesãos, ferreiros, tecelões, oleiros e arquitetos das casas tradicionais que o Rui Cinatti amiúde enaltecia e consagrou na sua obra “Arquitetura Tradicional Timorense” deixam os seus ofícios ou porque são também recrutados para o trabalho forçado e gratuito ou porque deixa da haver procura dos seus produtos. Da autossuficiência do reino passa-se para uma carência de produtos que eram produzidos no reino e a situação força os povos a viverem, agora, exclusivamente no quadro das relações de troca existentes no sistema colonial. Em resumo, a complementaridade que caracteriza a divisão social de trabalho existente no reino desaparece, pouco a pouco, para ceder lugar à integração económica do reino na economia colonial.

Da mesma forma, as estruturas políticas do reino deixam de ter o seu verdadeiro significado, deixam de corresponder à sua fórmula tradicional, à sua forma não distorcida pelo sistema colonial. Para as populações o liurai e o chefe de Suku deixam de ser o seu liurai, o seu chefe de Suku. Estes já não são a autoridade política de outrora sob cuja direção os povos agora dominados faziam a sua História, quer porque os indivíduos que ocupam esses lugares tinham sido nomeados unilateralmente pelo colonizador quer porque entre eles e essas autoridades políticas tradicionais tinha deixado de haver algo em comum – a sua História. São agora instrumentos nas mãos do colonizador e são também, agora, legitimados pela superestrutura colonial. Muitas vezes, quando querem fazer valer os seus direitos, fazem-no a coberto das leis coloniais.

4. Intercâmbo das culturas dos diversos povos. sua FUSÃO E RENOVAÇÃO DURANTE a História da DOMINAÇÃO COLONIAL.

A inserção dos reinos após a desagregação das suas estruturas, no sistema colonial traz gradualmente o fim dos conflitos que existia entre eles.

Assim, as fronteira culturais que existiram no passado e separaram entre si os diferentes reinos tendem também ao desaparecimento embora o nível cultural das diversas comunidades possa ser sensivelmente o mesmo. Numa endosmose cultural processa-se o encontro das particularidades próprias das várias culturas produzidas quer no passado quer na nova etapa histórica.

Neste período, as principais produções culturais dos Povos colonizados são a expressão do sofrimento e de lamento pela desagregação das suas aquisições históricas, de perceção e compenetração coletivas da vivência material cada vez mais difícil e do renascer empírico de uma esperança de dias futuros mais felizes.

Esta esperança é vivida, sentida e pulsa no íntimo dos povos. Ela manifesta-se sob várias formas e a sua perceção torna-se difícil se não mesmo impossível por todos quantos habitam um universo diferente e a encaram também de um modo diferente. É por isso que para muitas pessoas, as manifestações culturais dos Povos colonizados durante a ocupação colonial não passam de repetição de gestos monótonos ou fórmulas petrificadas, rigidificadas resultantes de uma ausência de renovação.


Em Timor-Leste, durante a ocupação colonial, podemos aperceber-nos de, entre as várias danças guerreiras – TEBE DAI – executadas ao ritmo de gongs de diferentes sons e BOBODOKS (pequenos tambores) de diferentes timbres, uma dança tan-tan que para muitos era mais um tan-tan, mas afinal, era o “MALAE BUTI LAO TE” – “Ó estrangeiro branco, vai-te embora”, do grupo étnico-linguístico Mambae.

Dir-se-ia que o Tebedai é uma dança monótona e sem variação, uma dança cujo ritmo e harmonia musical muitas vezes dissonante rapidamente faz cansar a vista e os ouvidos do espectador, se não fosse a existência de algo mais profundo que leva os seus executantes a não conhecerem o cansaço das horas intermináveis, muitas vezes sob o calor do sol tropical. Esse segredo, reside, afinal, no significado das palavras que comandam e marcam o ritmo como o “malae buti lao te”, palavras que os executantes da dança gesticulam, murmuram baixinho ou evocam mentalmente e cuja meditação faz torná-los absortos e alheios das realidades que os circundam. Este ritmo como tantos outros que leva aos pulos, aos ziguezagues, às voltas sem fim, ao fletir dos joelhos até alguns escassos centímetros do chão, interrompido com gritos de desafio e o puxar e exibir de espadas em atitudes de combate nos momentos mais culminantes da dança caraterizada pelo recrudescimento e intensidade máximas dos sons extraídos dos instrumentos musicais acompanhantes, é a criação cultural de um Povo dominado cujo sangue ainda ferve nas veias e cuja determinação na luta jamais cessa. Ao executá-lo, os povos dominados rasgam o seu horizonte de incertezas e confiam no seu futuro.

Estas manifestações novas do querer e sentir generalizado dificilmente chegam ao conhecimento do colonizador. De facto, as massas colonizadas apercebem-se de que o novo canto, a nova poesia, o novo ritual de despedida agora usado quando os seus filhos são recrutados e deportados para longe (plantações, estradas) devem ser praticados na clandestinidade. Esta cultura que é a expressão de um Povo, forçada  a viver na clandestinidade vai-se consolidando e alargando no caminho da sua fuga por montes e vales, refugia-se aqui e ali nos knuas ou sukus mais recônditos, é irradiada e fermenta-se no pensamentos dos Povos.

Outro exemplo da tradução fiel da nova cultura ou cultura de um Povo sob dominação colonial é a seguinte poesia do canto de Timor. A alusão que faz à pobreza causada pelo terreno hostil ao cultivo do bétel e da areca que são ingredientes para a masca e que aqui é o símbolo dos produtos alimentares, remonta-nos à época em que o Povo foi obrigado a abandonar as suas terras a favor dos dominadores. A mesma poesia refere-se, em resumo, às principais carências que afetam um Povo colonizado: ausência de terra, de habitação, de saúde e de vestuário.

Poesia na língua Tétum, a língua nacional da República Democrática de Timor-Leste.

a. Kiak ami tur iha fatuk maruik
Kuda malus la’e dikin
Bua la’e saren!

b. Kiak ami tur iha kledik ué serin
Foti matan lum turun
Tatis turun!

c. Kiak ami liu kona kona rae kbaben
Liu kona klaletek
Anin nu lako!

d. Kiak ami mesak kiak kiak tais mesak
Kalan mai namkore
Loron kabala!

1. Nós os pobres moramos em terras pedregosos
Plantamos o bétel e não germina
Plantamos a areca e não dá rebentos!

2. Nós os pobres vivemos nos beirais
Quando erguemos os olhos caem-nos lágrimas
Tal como as gotas da chuva que caem nos beirais!

3. Nós os pobres procuramos caminhar pelos relevos velhos
Se caminharmos pelos píncaros das serras
O vento sopra-nos para muito longe!

4. Nós os pobres só temos um “tais” (traje timor)
Com ele nos cobrimos à noite
E com ele nos cingimos de dia!

As aquisições culturais de uma comunidade são agora transmitidas às outras num processo sem saltos nem choques pois a convivência conjunta efetuada numa relação de igualdade dominado/dominado, pouco a pouco, fará nascer uma consciência coletiva ainda que difusa.

Esta consciência coletiva surgida do nivelamento ou redução à mesma categoria das comunidades existentes no território colonizado é o prelúdio do surgimento da consciência de unidade nacional tanto mais desenvolvida quanto maior for a RESISTÊNCIA e LUTA ao poder colonial.

5. OS ANTECEDENTES DA LUTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL

AS CHAMADAS "COLUNAS NEGRAS" E A REVOLTA DE 1959.

“Os japoneses estiveram na Indonésia e ela é hoje livre; passaram pelas Filipinas; atravessaram a Malásia, a Indochina, a Birmânia, chegaram as portas da Índia. Todas estas regiões ou proclamaram uma independência para a qual algumas não estavam ainda preparadas ou se encontravam em revolta, exigindo-a.

No nosso Timor, no entanto, tudo foi bem diferente. Aí o indígena ajudou a manter ou a salvar a vida do branco ameaçado pelo estrangeiro. E este sentimento de dedicação, embora já notável, não foi o único que o Timorense mostrou. Algo mais transcendente causou admiração por toda a parte. É que muitos deles, com risco da própria vida, haviam guardado as velhas bandeiras nacionais e com elas se apresentaram, uma vez finda a guerra, revelando vigorosamente a compreensão nítida que possuem da noção de Pátria e de Bandeira. Compreensão essa que, de resto, mais tarde voltaram a afirmar quando se mostraram perfeitamente insensíveis aos movimentos nacionalistas tão violentamente surgidos mesmo ao pé da porta e aos quais facilmente podiam ter aderido". (Sublinhado nosso).

HELIO FELGAS

"Com a sua ofensiva, os amarelos trouxeram para a luta um novo elemento: o elemento indígena.
As colunas constituídas por este novo elemento, já pela cor dos seus componentes, já pelos desmandos que praticavam, ficaram sendo conhecidas em Timor por "colunas negras".

"Inicialmente recrutadas entre as populações nativas do território holandês e das pequenas ilhas vizinhas, em breve viram as suas hostes engrossadas por centenas de indígenas do nosso domínio, principalmente das regiões da Fronteira, Maubisse e Manufai, e mais tarde das restantes zonas de colónia".

"Aparentemente submissos, estes povos ainda não tinham esquecido; porém, a sangrenta repressão da revolta de 1912. Mas desarmados nada podiam fazer. Os tempos eram diferentes. A superioridade, embora esmagadora do número, por si só, não conseguiria dominar os "malai" que dispunham de armas diabólicas. Tinham visto duas, várias vezes, lá no alto, na "Cota Laran","goelas apontadas para o céu, vomitando "Kilat fuan bar'barac" num matraquear contínuo, arrepiante. Contudo, o instinto da revolta lá estava nos espíritos, latente, esperando o momento propício para se revelar. E a oportunidade chegou".

"Os portugueses estavam, como eles, reduzidos a simples espectadores do drama que se desenrolava na sua terra. Perseguidos, acoitavam-se nas suas aldeias, procuravam refúgio nas suas míseras palhotas, dormiam lado a lado com eles, serviam-se dos mesmos objetos. Bebiam do mesmo bambu, cozinhavam nos mesmos utensílios, comiam nos mesmos "Cacun". Viam a ansiedade e o terror estampados no rosto do branco, outrora orgulhoso e altivo".

"Astucioso, o indígena julgou chegado o momento de tirar a desforra dos desastres anteriores. Chegara a hora da revindita.

Que reação haveria a temer duma sociedade em tal estado de decomposição?

Lançaram-se na aventura. Os bombardeamentos aéreos indicavam o momento propício. Os postos abandonados, os europeus errando pelas montanhas;"" perseguidos, desmoralizados, estavam de antemão vencidos, pensaram. Mas... Enganaram-se. A desorientação não era geral. Alguém apareceu a enfrentá-los. O génio da raça renasceu. Aceitou-se a luta. Batidos, os revoltosos viram a intentona afogada em sangue. Raivosos, recorreram ao auxílio estranho. Foram de longada até Díli. Ofereceram os seus serviços aos japoneses. Estes aceitaram a oferta que milagrosamente lhes caia do céu. Seriam auxiliares valiosos naquela guerra maldita, em que o adversário se escapulia, como por encanto, ora entre os penedos das altas montanhas ora entre o matagal traiçoeiro das planícies. Em troca, os indígenas teriam o apoio do novo aliado, na luta contra os portugueses". (Sublinhado nosso).

OLIVEIRA LIBERATO

"E quando Timor pôde regressar ao convívio da comunidade portuguesa houve manifestações de júbilo mas não se chegou nunca aprofundar a história dos sucessos, a ajuizar da extensão dos sofrimentos e a valorizar o comportamento de cada um.

Igual silêncio, ou quase, tem coberto o esforço da reconstrução da província que é, sem dúvida, uma das mais notáveis provas da nossa capacidade colonizadora no mundo contemporâneo".

“... Sabíamos em Lisboa qual o grau de ruina da colónia e conhecíamos o estado de depressão dos funcionários e de desorganização dos serviços e da economia em geral. Tornava-se, pois, necessário estudar a reorganização integral da vida de Timor que havia de seguir-se imediatamente à reocupação de tal modo que os indígenas sentissem bem que Portugal era um amigo rico e poderoso, cuja chegada representava o termo das privações e o início de nova era de bem-estar, de prosperidade e de progresso".

"Não bastava desembarcar com armas: era preciso, para prestígio nosso e consolidação do domínio português no espírito e no coração dos nativos, que aparecêssemos como Providência que dá remédios a males e que, após um intermédio trágico, espalha a abundância e reanima a vida".  (Sublinhado nosso).

MARCELO CAETANO·

Acabei de ler três trechos com três ópticas diferentes de abordagem da situação política vivida em Timor-Leste durante o período de 1942-45 em que o território se viu ocupado simultaneamente por Portugal, Austrália, Holanda e Japão, e, durante o período imediato ao término da II Guerra Mundial.

Numa aparente contradição como se denota claramente entre a primeira e a segunda, na realidade, as três conjugam-se numa trindade indissolúvel e refletem a ideologia e a prática do colonialismo português em Timor-Leste.

Com efeito, a primeira, ao ocultar intencionalmente as sublevações e revoltas do povo Timor ocorridas durante a II Guerra Mundial, faz apologia dos "métodos únicos e singulares" da colonização portuguesa; tece considerações exóticas sobre o "portuguesismo” do Povo Timor altamente evidenciado na sua "insensibilidade" face ao surto revolucionário e nacionalista que, ao tempo, estremecia a Ásia do Sudeste e do Sul e conduzia à transformação do mapa político daquelas regiões do Globo. A segunda é o atestado inequívoco de que todo o colonialismo é repressão, violência absoluta e de que a ordem colonial é ditada pela lei dos canhões. Marcelo Caetano faz finalmente, a síntese do seu sistema colonial subdesenvolvido e retrógrado!

Quando as potências coloniais do "bloco aliado", depois da assinatura da rendição do Japão, procuravam reocupar as suas colónias na Ásia do Sul e do Sudeste, encontraram na sua frente partidos nacionalistas e revolucionários já organizados e armados.

A Holanda aceitou o desafio do Povo da Indonésia que era liderado pela coligação PNI (Partai Nacionalis Indonésia), PKI (Partai Komunis Indonesia) e outros. A luta foi dura e difícil, mas passados quatro anos, a Holanda era obrigada a reconhecer a independência proclamada pelo engenheiro Sukarno, primeiro Presidente dos Estados Unidos da Indonésia e mais tarde da República Unitária da Indonésia. A França aceitou o desafio lançado pelos Povos do Vietnam, Kampuchea e Laos, mas., pouco depois render-se-ia perante a evidência dos factos: as nações da Indochina por ela colonizadas proclamavam também a sua independência. O mesmo destino coube à Inglaterra perante a luta vitoriosa do Povo da Malásia, etc., etc..

Houve, porém, uma exceção: Timor-Leste destoava deste conjunto. Em Timor-Leste, Portugal pôde desembarcar com armas livremente, pôde apresentar-se aos olhos do timor como um "amigo rico e poderoso" e pôde, após a reocupação de Timor-Leste, festejar anualmente o dia 5 de Setembro como o dia da libertação".

Esta situação, como era de esperar, suscitou dos ideólogos do colonialismo português as mais quiméricas e fabulosas dissertações e contribuiu para que os mesmos, uma vez mais, fizessem ressaltar o seu "orgulhosamente só" em matéria de colonização.

Do nosso lado, para respondermos à interrogação que se nos coloca sobre o porquê daquela exceção, começamos por analisar o significado do 5 de Setembro nas ópticas necessariamente opostas do colonizador português e do colonizado timor.

O 5 de Setembro foi para o colonizador português o fim da sua Paixão, do seu cativeiro, da sua vergonha que ainda ruborizava a face. O 5 de Setembro foi para o colonizador português o início da sua Redenção, o momento para a sua desforra que seria decretada não contra o japonês, o australiano e o holandês que afrontaram a "sua soberania e neutralidade". O 5 de Setembro foi a oportunidade há tanto almejada pelo colonizador português para saciar o seu ódio amontoado ao longo de três anos, para vingar o vitupério por ele passado, para regalar os seus olhos que ainda tinham gravado na retina as cenas de Mantú, Mindelo, Aileu, etc., onde o timor exerceu a sua justiça.

Chamar ao 5 de Setembro, dia da Libertação, é, para o timor, uma ironia hedionda e revoltante! Nesse dia, em 1945, e nas semanas e meses que se lhe seguiram, centenas e milhares de timores andrajosos e famintos, entre eles vários “Liurais Los” sulcavam o mar a caminho da deportação em Ataúro! Milhares de crianças e mulheres viram definitivamente afastarem-se do seu lar, pais, esposos, filhos e familiares num drama que, de novo, se repetia! Outras centenas de timores em cujos olhos se podiam ler o pânico sentido e causado pelas armas com que o "rico e poderoso" colonizador português acabava de desembarcar, em atitude de autodefesa, céleres trouxeram bandeiras portuguesas, muitas delas já velhas e desbotadas! Todos eles tinham participado no grande movimento armado que se seguiu as insurreições populares e patrióticas que eclodiram em Timor-Leste no decurso da confrontação australo-holandesa-nipónica e que receberam dos portugueses o nome de “colunas negras”.

O objetivo do movimento insurrecional era claro: combater o colonialismo português e os seus aliados internos.

Verdadeiramente autónomo e independente em relação às forças envolvidas na guerra (holandesa, australiana e nipónica) alcançou no início grandes sucessos nas regiões do centro e da fronteira.

Somente quando os japoneses começaram a exercer o seu domínio em todo o território com exceção das zonas de difícil acesso onde vagueavam as guerrilhas australianas apoiadas pelos escassos portugueses também a monte, os elementos móveis surgidos daquelas insurreições ao irem no encalço do inimigo serviam objetivamente os planos dos estrategas nipónicos.

Nada mais falso e ridículo do que certas afirmações que atribuem às chamadas "colunas negras" ações hostis à Austrália e ao serviço do Japão. Na esteira das mesmas afirmações, quando se fala dos 300 comandos australianos que, abandonados em Timor-Leste, conseguiram infligir pesadas derrotas às forças nipónicas, atribui-se vulgarmente tal facto ao "apoio do povo timor à Austrália na luta contra o Japão". Este juízo tão descabido e errado como aquele que considera de traidores todos quantos por força das circunstâncias se aliaram aos japoneses, procura acima de tudo fazer vincar a ideia de que o Povo Timor adotou o comportamento do seu colonizador face ao bloco aliado apesar da tão propagada neutralidade.

De facto, os comandos australianos enveredados pela guerra de guerrilha, cedo puseram em prática um dos aspetos dessa guerra - a guerra psicológica – conseguindo deste modo neutralizar qualquer hostilidade por parte do Povo timor para quem o inimigo era o colonizador português com quem coabitou durante séculos em dois mundos diametralmente opostos. Os japoneses porque irritados com a "neutralidade" da administração portuguesa remanescente em Timor, trataram desde logo em apoiar o movimento de revolta contra o colonialismo português.

A inexistência de uma direção política em Timor-Leste, ao contrário do que se passava nas restantes nações colonizadas da Ásia, capaz de definir tácitas corretas de luta e adequadas às circunstâncias particulares da guerra inter-imperialista, e de canalizar para projetos de luta consequente a espontaneidade dessas insurreições populares foi a causa principal, senão a única da sua instrumentalização posterior por parte dos nipónicos e, do seu fracasso e desmantelamento apressado quando foi anunciado o fim da guerra e o desembarque de Portugal "com armas" para proceder à reocupação.


Portanto não foi a “noção de Pátria e de Bandeira” (portuguesas, claro!) tida pelo timor, que possibilitou o retorno do "rico e poderoso" colonizador português!

Antes de nos debruçarmos sobre as causas da inexistência de uma direção política do movimento anticolonial que teve lugar em Timor-Leste durante a II Guerra Mundial e, posteriormente, em l959, como veremos, achamos importante desde já distinguir as duas formas de resistência armada do Povo Timor até 1912 e no período posterior àquela data.

Até 1912, todas as ações anticoloniais foram dirigidas por liurais e refletiam o esforço dos povos dos distintos reinos de Timor para a salvaguarda da sua independência, para a defesa dos valores institucionais da sua sociedade e para a expulsão do estrangeiro a fim de permitir o livre curso da sua História. As insurreições armadas posteriores a 1912 - chamadas "colunas negras" e a revolta de 1959- enquadram-se num esforço anticolonial de novo tipo.

Com efeito, as chamadas "colunas negras" constituídas na sua maioria por camponeses além de antigos assalariados das fazendas e plantações, de antigos criados e serventes, liurais e Datos depostos, tinham como alvos prediletos o colonizador político, o colono detentor de terra, o missionário suporte da ordem colonial e os novos "liurais”, e o pequeno núcleo dos “assimilados" que se colocaram ao lado do colonizador. Além disso, a sua Ação não ficou circunscrita a reinos ou regiões donde eram originários os seus componentes; ela foi alargada a todo o território e a sua força era dotada de uma ampla mobilidade interna.

Por isso, podemos afirmar que as chamadas "colunas negras" foram na nossa História de resistência anticolonial a primeira manifestação do grande movimento popular do Maubere (homem vulgar, analfabeto, descalço, subalimentado), movimento que, três décadas mais tarde, viria a adquirir um novo ímpeto com a fundação da ASDT/FRETILIN, partido dos Mauberes e Vanguarda da Revolução do Povo Maubere.

6. O PORQUÊ DA INEXISTÊNCIA DE UMA DIREÇÃO POLÍTICA

Um proeminente bispo de Macau e Timor celebrizou-se através da seguinte expressão: "ao timor deve dar-se picareta e não caneta".

Considerada esta sentença como a súmula da opressão colonial no domínio da cultura e na negação da valorização intelectual dos Povos colonizados, ela foi a espinha dorsal da política "educacional" seguida em Timor-Leste até aos fins da década 50 (1959-61), altura em que Timor-Leste possuía cinco escolas primárias, quatro delas a cargo das missões católicas - Soibada, Ossu, Maliana, Lahane (Dili) -, um Liceu onde somente eram ministrados os primeiros anos e um seminário menor.

Poder-se-ia imediatamente, através da revelação destes dados, concluir que aquela faceta da política colonial mais não era que o reflexo do próprio subdesenvolvimento do colonialismo português. De facto, ficaríamos por aqui, aceitando esta conclusão inegável, se comparássemos somente a Ação colonial portuguesa em Timor à dos outros colonialismos que foram implantados na Ásia do Sudeste - colonialismo francês, inglês, holandês - e que, por razões do seu próprio crescimento e desenvolvimento económico tiveram de efetuar "concessões" aos povos colonizados destinadas a limar as suas próprias contradições embora não tivessem podido evitar a formação de novas classes sociais entre as quais a pequena burguesia, classe que haveria de se destacar na organização do movimento de libertação nacional.

Na verdade, parece estranho como as campanhas chamadas "de pacificação" contra os povos de Angola, Moçambique, Guiné e Timor-Leste apesar de terem tido lugar em épocas idênticas (campanha colonial contra Gungunhana, os Namarrais e os Dembos, a guerra de Manufahi, etc.), o fenómeno de libertação nacional salvo nas colónias portuguesas da África, onde se produziu quase simultaneamente - início da década de cinquenta - apenas se registou em Timor-Leste muito mais tarde.

Esta disparidade provém fundamentalmente da desigualdade dos níveis de desenvolvimento colonial verificados em Timor-Leste e nas restantes colónias portuguesas da África, como resultado de diferentes opções seguidas pelo colonizador português na sua política de exploração colonial enquadrada na própria estratégia imperialista de dominação dos Povos.

Por isso, o "abandono" votado a Timor-Leste pelo colonialismo português não pode ser interpretado como uma aberração do sistema colonial português.

A política "educacional" seguida pelo colonialismo português em Timor-Leste inserida no conjunto da Ação colonial (política sanitária; económica, social, agrícola, etc.) pode considerar-se funcional e coerente. Pois, se a picareta impedia a introdução da máquina ou limitava o uso da máquina; se o subsolo (petróleo e minérios) continuava intacto; se a exploração do café continuava a ser o principal recurso, lucrativo da colónia; se os mecanismos da exportação do café (rede comercial) saíam fora da alçada do timor pois eram controlados pela comunidade chinesa; então, a negação ao timor do uso da caneta estava inserida na lógica do próprio sistema! Em "compensação" dar-se-ia ao timor apenas, o lápis que seria" usado pelo capataz das obras públicas, pelo carpinteiro e outros artífices e pelo olheiro das fazendas e plantações de café. Em Timor-Leste, até ao fim da década de cinquenta, dizia-se, das pessoas que tinham concluído a 4.a classe: "fulano X ou Y acabou o curso!” Dizia-se também na mesma época que "as escolas de Soibabda, Ossu e Maliana eram as universidades de Timor".

Podemos assim afirmar que até aos fins da década de cinquenta não tinha surgido em Timor-Leste a classe dirigente do movimento de libertação nacional, facto que motivou o isolamento da colónia em relação ao movimento anticolonial que, ao tempo sacudia a Ásia do Sudeste com a inclusão da Indonésia de Sukarno.

Somente quando alguns separatistas indonésios que foram derrotados por forças sukarnoistas chegaram, em 1958, a Timor-Leste onde beneficiaram de asilo político por parte das autoridades colonial-fascistas portuguesas, se pôde avaliar do movimento anticolonial. Deste encontro estimularam-se os ânimos dos patriotas timores cuja visão política da panorâmica mundial era quase nula a não ser o desejo profundo de se libertarem da dominação, opressão e exploração coloniais. Aqueles patriotas num ato de pura abnegação quebraram o silêncio da resistência passiva para em 11 de Maio de 1959, desencadearem a sua revolta imediatamente afogada em rios de sangue como foram os massacres de Uato Lari e Uato Carbau na região de Viqueque.

7. A DIREÇÃO POLÍTICA ÚNICA. SEU PAPEL E SUA ORIGEM DE CLASSE. A LUTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL E A VITORIA SOBRE O COLONIALISMO.

O conjunto da Nação necessita de uma direção politica única capaz de ser o guia, capaz de desempenhar a difícil tarefa da condução do Povo nesta fase singular da sua História, fase em que a Consciência Coletiva se forja e cria uma IDENTIDADE COLECTIVA precursora da CONSCIÊNCIA NACIONAL assente num processo aglutinador de unidade e Identidade Nacional. Há necessidade de uma direção conhecedora das realidades de toda a Nação e ciente das astúcias do inimigo para poder alertar o Povo previamente ou nas oportunidades em que elas se produzem e para unir todo o Povo na luta contra o colonialismo.

A experiência das lutas de libertação nacional atestam-nos claramente que, embora os processos de luta possam ser diferentes de País para País, as direções políticas são uma exigência histórica dos Povos colonizados.

As estruturas da sociedade tradicional são um corpo inerte ou vitimado pelo atrofiamento generalizado ocorrido sob o período de dominação colonial. Em contrapartida, a dominação colonial criou uma sociedade bem diferente em que prevalece o domínio das suas próprias estruturas com o inevitável surgimento de novas classes sociais.

Surge o embrião do primeiro movimento nacionalista que, muitas vezes sem sigla própria e, perante a recusa do colonialismo em aceitar a opção de independência, recorre à luta clandestina nas cidades através da circulação de panfletos clandestinos, inscrições nas ruas, reuniões aqui ou ali, em casa deste ou aquele, etc.. O seus membros servem-se de associações culturais existentes – o Clube da UNIAO - ou tentam dar os primeiros passos no lançamento do projeto cultural de conteúdo nacional – a Guerra do Barlaque, em 1969 por mim iniciada e que teve também a colaboração do saudoso Presidente Nicolau Lobato e Borja da Costa. Esta situação em Timor-Leste ganha forma a partir de 1970.

Muitas vezes os membros do movimento clandestino encontram incompreensões nas suas próprias famílias, por causa da amplitude da propaganda colonialista que se serve da rádio e imprensa. O movimento clandestino de cariz nacionalista vai-se ampliando. Neste processo de afirmação da Identidade Nacional, toda a sociedade colonizada sofre novo impulso já descrito e iniciado na História de dominação colonial e vai ganhar um ímpeto tanto mais veloz quanto maiores forem a intensidade e as formas de luta. As manifestações culturais cheias de relatos da sua vivência material cheia de sofrimentos cedem lugar a outras que evocam determinação, força e unidade no combate e Luta de Libertação Nacional a que o eminente Pensador e Insigne Dirigente Africano Amílcar Cabral soube genialmente caraterizar de “um Ato eminentemente Cultural”.

A descolonização em Timor-Leste não foi uma concessão; foi uma vitória alcançada pelos Povos de todas as colónias portuguesas e do Povo Português cujos frutos transformaram os Mauberes e Biberes de Timor-Leste de “espectadores esmagados pela inessencialidade em acores privilegiados, apanhados de modo quase grandioso pelo feixe da História”, no dizer de Frantz Fanon.

“A descolonização que se propõe alterar a ordem do Mundo, é, como se vê, um programa de desordem absoluta. Mas ela não pode ser o resultado de uma operação mágica, de um abalo natural ou de um acordo amigável. Como se sabe a descolonização é um processo histórico, isto é, só poderá ser compreendida, só encontrará a sua inteligibilidade, só se tornará translúcida por si própria na medida exata em que discernir o movimento histórico que lhe dá forma e conteúdo. A descolonização é o encontro de duas forças congenitamente antagónicas que vão buscar a sua originalidade a essa espécie de substantificação segregada e alimentada pela situação colonial. O seu primeiro confronto deu-se sob o signo de violência e a sua coabitação – mais precisamente a exploração do colonizado pelo colono – fez-se a poder de baionetas e canhões. O colono e o colonizado conhecem-se há muito. E, de facto, o colono tem razão quando diz conhecê-los”. Foi o colono que fez e que continua a fazer o colonizado. O colono vai buscar a sua verdade, isto é, os seus bens, ao sistema colonial.

A descolonização nunca passa despercebida porque assenta no seu ser, modifica fundamentalmente o ser, transforma espectadores esmagados pela inessencialidade em atores privilegiados, apanhados de forma quase grandiosa pelo feixe da História. Ela introduz no ser um ritmo próprio, trazido pelos novos homens, uma nova linguagem, uma nova humanidade. A descolonização é verdadeiramente uma criação dos homens novos. Mas esta criação não recebe a sua legitimidade de qualquer força sobrenatural: a “coisa” colonizada torna-se homem no próprio processo pelo qual ela se liberta.

Na descolonização, há pois exigência de uma reformulação integral da situação colonial. A sua definição pode, se quisermos descrevê-la com precisão, assentar numa frase bem conhecida: “Os últimos são os primeiros”. A descolonização é a verificação desta frase. É por isso que, a nível da descrição, qualquer descolonização é um êxito.

Apresentada na sua nudez, a descolonização deixa adivinhar, através de todos os seus poros, balas ardentes e navalhas a sangrar. Porque os últimos devem ser os primeiros, isso só poderá acontecer depois de um confronto decisivo e mortal entre os dois protagonistas. Essa vontade firme de passar os últimos para a frente, de os fazer subir numa cadência demasiado rápida (dizem alguns), os célebres degraus que definem uma sociedade organizada, só poderá triunfar se pusermos na balança todos os meios, incluindo evidentemente, a violência.

Não se organiza uma sociedade, por primitiva que seja, com esse programa, se não estivermos decididos desde o princípio, isto é, desde a própria formulação desse programa, a vencer todos os obstáculos com que iremos deparar ao longo do caminho. O colonizado que decide levar a cabo esse programa, torna-se o seu motor, está sempre preparado para a violência. Desde o nascimento, ele sabe que esse mundo acanhado, cheio de interdições, só poderá ser posto em causa pela violência absoluta”

(“Os condenados da terra”, pág.6-8. Frantz Fanon. Ulmeiro/Terceiro Mundo e Revolução No 3. Tradução de António José Mossando)

A direção política da luta de libertação nacional oriunda das elites locais constata que, no decurso do processo de luta popular, a maioria do Povo se encontra movida por um desejo imanente de transformações profundas na sociedade e, que elas veem na sua direção política a incarnação de todas essas aspirações.

À direção política põe-se, no período pós-independência, uma nova questão que é de continuar a lutar até ao triunfo da causa da grande maioria do Povo ou de permitir a realização dos interesses das elites donde irão emergir novos grupos sociais e económicos apostados, ou não, a dar a sua contribuição ao desenvolvimento do novo País. A atitude das direções políticas será mais tarde ajuizada pela sua determinação ou pela sua recusa em corresponder ao grande sonho da maioria do Povo a viver uma vida melhor com acesso à Educação, Saude, Cultura e Bem Estar Social e Económico e Justiça Social.

8. A INVASAO INDONÉSIA EM 7 de Dezembro de 1975 E A RESTAURAÇÃO DA RDTL

A invasão indonésia em 1975 veio pôr termo a esse processo grandioso que culminou na Proclamação da RDTL, em 28 de Novembro de 1975.

A Invasão violenta e sanguinária ceifou mais de 200.000 vidas e saldou-se por um Genocídio Físico e Cultural. Nesta perspetiva, importa registar que nos finais dos anos oitenta do seculo XX, Timor já era um Pais espartilhado, vítima de um genocídio cultural e violento que atingiu o nosso Povo nas suas crenças e aprofundou a desestruturação da nossa organização social milenar, que o colonialismo português não conseguiu destruir, nem moldar através da política de assimilação.

A ocupação indonésia veio aprofundar ainda mais a destruição das estruturas antigas do nosso modus vivendi e, pela força das armas, baniu, em 1975, o culto animista dos antepassados praticado por cerca de 70% do nosso povo, fazendo desmoronar toda a superestrutura da nossa organização social, assente em valores e normas que se tinham consolidado ao longo de gerações.

Com a chegada do Panca Sila indonésio – Filosofia do Estado Indonesio - e a obrigatoriedade, pela força das armas, imposta ao nosso Povo de filiar-se numa das Religiões reconhecidas pelo Estado ocupante, consumou-se uma das políticas de descaracterização da nossa identidade cultural. Pergunta-se: como foi que a Indonésia, em 24 anos, conseguiu o que Portugal não tinha conseguido em cerca de 500 anos de colonização! Será que a Indonésia conseguiu mesmo? Ressalta uma constatação. As religiões recipientes das novas conversões em massa continuam débeis, apesar do aumento maciço de novos crentes mais pródigos no cumprimento do ritual externo, melhor dito, na cosmética do rosto, que na interiorização da verdadeira Doutrina e Práticas Doutrinárias. No nosso país, hoje independente, há a necessidade de dinamizar um novo movimento de regeneração cultural e nacional capaz de mobilizar toda a Nação para que se inicie um processo de “mudança das mentalidades” desafio a que o próprio Maun Bo’ot Xanana decidiu lançar mãos porque, em boa verdade, subscrevemos aquela passagem tao pertinente da sua Mensagem de Ano Novo de 2015:

"Hoje levo um fardo maior porque os desafios são imensamente medonhos e diversificados e as dificuldades mais sensíveis do país são da ordem das fragilidades estruturais, de caráter da inoperância técnica, da morbidez de valores culturais e do abandono das normas éticas de sacrifício e dedicação"

Xanana in Mensagem do Ano Novo de 2015

Basta fazermos uma retrospetiva e ler a nossa História de Resistência Anticolonial em Cailaco, Manufahi, Luca, Manatuto, Lacló, Cová, Camenasse, Suro, Aileu, Bobonaro, Ocussi, Lautém, etc., cenários da mais cruel mortandade que a vitoriosa espada colonialista espalhou nos séculos passados. Juntemos-lhes os nossos mártires da Luta de Libertação Nacional espalhados pelo território da RDTL, território que é um Museu VIVO de Resistência, se a Memória Coletiva o não trair, esquecendo-o.

No passado, chorámos sem ter podido arrancar uma gota de lágrima! Lançámos em uníssono gritos de guerra e depois fomos passados a fio de espada. Nos píncaros das serras ou nas profundezas dos abrigos subterrâneos definhámos em morte lenta. Os nossos ais, após terem percorrido extensas cadeias montanhosas de Timor ou rodopiado em vaivém contínuo nos meandros dos redutos de sobrevivência, sumiram-se repetidamente.

Hoje tudo é diferente!

As nossas vozes ultrapassam agora as cordilheiras de Timor e fazem-se ouvir além dos quatro quadrantes. Os nossos gritos já não se desfazem como no passado, em murmúrios ou zumbidos que se perdem na ondulação do zéfiro, mas associam-se agora ao canto dos regatos e das aves em melopeia contínua a atestarem a nossa vitória na luta pela Independência tanto do colonialismo português como do expansionismo indonésio.

Sob os ossos calcinados dos nossos antepassados fizemos erguer o nosso Estado, em 28 de Novembro de 1975 e restaurámos a nossa RDTL em 20 de Maio de 2002.

Saibamos forjar a Unidade da Nação para enfrentar “ todos os ventos que sopram do mar”, “ hamutuk atu tahan anin sut taci” no  dizer do nosso grande Poeta Borja da Costa.

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