Amados irmãos no episcopado!
No amor de Cristo, saúdo cordialmente toda a Igreja de
Deus em Timor Leste, aqui representada por vós, seus pastores, que viestes
«conhecer Pedro» na pessoa do seu Sucessor e «pôr à sua apreciação» o vosso
serviço à causa do Evangelho (cf. Gal 1, 18; 2, 2). Agradeço a D. Basílio,
bispo de Baucau e presidente da Conferência Episcopal, as amáveis palavras que
me dirigiu em nome de todos e que manifestam o crescimento admirável das vossas
comunidades e o seu anseio de serem fiéis ao Evangelho. Alegro-me convosco,
porque a sementeira da Boa Nova de Jesus, iniciada na vossa terra há quase
quinhentos anos, cresceu e frutificou num povo que, desde a grande provação do
último quartel do século XX, decidida e corajosamente se confessa católico. A
criação da nova diocese de Maliana, nos princípios de 2010, e a instituição da
Conferência Episcopal Timorense, nos fins de 2011, são sinais positivos da obra
que o Senhor iniciou entre vós e quer levar a bom termo (cf. Flp 1, 6).
Estes sinais, ao mesmo tempo que exprimem a radicação da
Igreja em Timor, convidam os seus filhos e filhas a um testemunho alto de vida
cristã e a um redobrado esforço de evangelização para levarem a Boa Nova a
todos os estratos da sociedade, transformando-a a partir de dentro (cf. Exort.
ap. Evangelii nuntiandi, 18). Pelos vossos relatórios quinquenais e demais notícias,
pude dar-me conta do espírito fraterno que anima o povo timorense e os seus
líderes na construção duma nação livre, solidária e justa para todos. Ao longo
destes anos que vos separam da última visita ad limina – realizada em Outubro
de 2002, ou seja, poucos meses depois do suspirado e venturoso nascimento da
vossa Pátria –, não faltaram dolorosas surpresas de ajustamento nacional, com a
Igreja a recordar as bases necessárias duma sociedade que pretenda ser digna do
homem e do seu destino transcendente. Estou certo de que vós, com os
sacerdotes, continuareis a desempenhar a função de consciência crítica da
nação, mantendo para isso a devida independência do poder político numa
colaboração equidistante que lhe deixe a responsabilidade de cuidar e promover o
bem comum da sociedade.
De facto, a Igreja pede apenas uma coisa no âmbito da
sociedade: a liberdade de anunciar o Evangelho de modo integral, mesmo quando
vai contra corrente defendendo valores que ela recebeu e a que deve permanecer
fiel. E vós, queridos irmãos, não tenhais medo de oferecer esta contribuição da
Igreja para bem da sociedade inteira. Faz-nos bem lembrar estas palavras do
Concílio Vaticano II: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias
dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são
também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos
de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre
eco no seu coração» (Const. past. Gaudium et spes, 1). Na verdade o Pai do Céu,
ao enviar seu Filho na nossa carne, pôs em nós as suas entranhas de
misericórdia. E, sem a misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de nos
inserir num mundo de “feridos” que tem necessidade de compreensão, de perdão,
de amor. Por isso, não me canso de chamar a Igreja inteira à «revolução da
ternura»(Exort. ap. Evangelii gaudium, 88). Os agentes de evangelização devem
ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de
dialogar com as suas ilusões e desilusões, de recompor as suas desintegrações.
Sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso
acompanhar, com misericórdia e paciência, as etapas possíveis de crescimento
das pessoas, que se vão construindo dia após dia. Por isso, na partilha
fraterna e solidária da Conferência Episcopal, voltai repetidamente sobre este
desafio duma sólida formação de sacerdotes, religiosos e fiéis leigos. Grandes
esperanças depositais nos vossos Seminários, Noviciados e, ultimamente, no
Instituto Superior de Filosofia e Teologia «Dom Jaime Garcia Goulart»; mas não
deixeis de provocar e fazer crescer a corrente de solidariedade também entre
outras Igrejas locais, nomeadamente com o envio de seminaristas maiores para
fazerem seus estudos em universidades eclesiásticas ou – talvez com maior
proveito – sacerdotes para as especializações mais necessárias aos diversos
serviços da comunidade eclesial de Timor Leste. Fazem falta formadores e
professores qualificados de teologia nomeadamente para consolidarem os
resultados alcançados no campo da evangelização enriquecendo a Igreja com o seu
“rosto timorense”.
Naturalmente não se pretende uma evangelização realizada
apenas por agentes qualificados, enquanto o resto do povo fiel seria apenas
receptor das suas acções. Pelo contrário, temos de fazer de cada cristão um
protagonista. «Se uma pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus que a
salva, não precisa de muito tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não
pode esperar que lhe dêem muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é
missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus»
(Ibid., 120). E, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida,
não poderá conter o desejo de o comunicar aos outros. Aqui está a fonte da
acção evangelizadora. O coração crente sabe que, sem Jesus, a vida não é a
mesma coisa. Pois bem! Aquilo que descobriu, o que o ajuda a viver e lhe dá
esperança, isso deve comunicar aos outros.
Como sabemos, amados irmãos, em todos os baptizados –
desde o primeiro ao último – actua o Espírito que impele a evangelizar. Esta
«presença do Espírito confere aos cristãos uma certa conaturalidade com as
realidades divinas e uma sabedoria que lhes permite captá-las intuitivamente,
embora não possuam os meios adequados para expressá-las com precisão» (Ibid.,
119). Nestas limitações da linguagem, vemos aflorar a necessidade de
evangelizar as culturas para inculturar o Evangelho, porque «uma fé que não se
torna cultura – como escrevia João Paulo II – é uma fé não plenamente acolhida,
não inteiramente pensada e não fielmente vivida» (Carta de fundação do Conselho
Pontifício da Cultura, 20 de Maio de 1982, 2). Se, nos vários contextos
culturais de Timor Leste, a fé e a evangelização não forem capazes de dizer
Deus, anunciar a vitória de Cristo sobre o drama da condição humana, abrir
espaços para o Espírito renovador, é porque não estão suficientemente vivas nos
fiéis cristãos, que necessitam de um caminho de formação e amadurecimento. Isto
«implica tomar muito a sério em cada pessoa o projecto que Deus tem para ela.
Cada ser humano precisa sempre mais de Cristo, e a evangelização não deveria
deixar que alguém se contente com pouco, mas possa dizer com plena verdade: “Já
não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20)» (Exort. ap.
Evangelii gaudium,160).
E, se vive no crente, Cristo abrirá as páginas com o
desígnio de Deus ainda seladas para as culturas locais, fazendo despontar
outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado
significado. No livro do Apocalipse (cf. 5, 1-10), há uma página elucidativa:
fala-se de um livro fechado com sete selos, que só Cristo é capaz de abrir; Ele
é o Cordeiro imolado, que, com o seu sangue, resgatou para Deus, homens de
todas as tribos, línguas, povos e nações. Timor Leste, o Céu resgatou-te, para
que te abras ao Céu. Tudo isto representa uma série de desafios para permitir
uma compreensão mais fácil da Palavra de Deus e melhor recepção dos
Sacramentos. Mas um desafio não é uma ameaça. A consciência missionária supõe
hoje possuir o valor humilde do diálogo e a convicção firme de apresentar uma
proposta de plenitude humana no vosso contexto cultural.
Amados irmãos no episcopado, quis limitar-me a três
pontos, objecto das vossas preocupações: o primeiro, a vossa contribuição como
consciência crítica da nação; o segundo, movida por entranhas de misericórdia,
a Igreja inteira sai em missão; e, enfim, exprimir a Boa Nova da salvação nas
línguas locais. Parece-me poder reconduzir tudo a esta imagem que vos é
familiar e amada: o povo fiel em peregrinação aos santuários marianos, sob a
guia do Bispo (digo «guiar», que não é sinónimo de comandar, dominar). E o lugar
do Bispo pode ser triplo: à frente, para indicar o caminho ao seu povo; no
meio, para o manter unido e neutralizar debandadas; ou atrás, para evitar que
alguém se atrase ou desgarre, mas, fundamentalmente, porque o próprio rebanho é
dotado de olfacto para encontrar novos caminhos: o sentido da fé. Em todo o
caso, sede homens capazes de sustentar, com amor e paciência, os passos de Deus
em seu povo e valorizai tudo aquilo que o mantém unido, acautelando de
eventuais perigos, mas sobretudo fazendo crescer a esperança: haja sol e luz
nos corações! Ao mesmo tempo que vos agradeço todos os esforços realizados ao
serviço do Evangelho, peço ao povo timorense que reze por mim; eu confio-o à
protecção da Imaculada Conceição – invocada carinhosamente sob o título de
«Virgem de Aitara» – por cuja intercessão imploro para vós, para os sacerdotes,
os religiosos e religiosas, para os seminaristas, noviços e noviças, para os
catequistas, os animadores dos movimentos eclesiais e a briosa juventude, para
as famílias com as suas crianças e os seus idosos e todos os restantes membros
do povo de Deus, a abundância das graças do Céu, em penhor das quais lhes
concedo a Bênção Apostólica.
Segunda-feira, 17 de Março de 2014
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