Língua
Portuguesa em Timor-Leste:
Entre o sonho e a realidade depois de 10 anos da sua independência.
Por *Hercus Pereira dos Santos
Timor-Leste celebra a décima celebração
do dia da Restauração da Independência no dia 20 de Maio. E o que
é interessante é que esta celebração coincide com
os 500 anos da chegada dos portugueses a Timor. A presença
portuguesa foi muito importante para Timor-Leste enquanto razão
fundamental do seu nascimento como um país independente.
Os marcos importantes da presença portuguesa
em Timor-Leste são a língua e a religião. Como todos nós sabemos, a
maioria da população timorense é católica, sendo o primeiro país da
Oceânia e o segundo da Ásia (depois das Filipinas) com maior
percentagem de Católicos. Timor-Leste é um país transcontinental, pois faz
parte da Ásia e da Oceânia.
Mas o que nos interessa
falar hoje é a questão da Língua Portuguesa. Qual é a realidade da Língua
Portuguesa hoje em dia em Timor-Leste?
Há
algum tempo chegaram mais 90 estudantes timorenses a Portugal, pátria-mãe do
Timor-Português. Alguns destes novos estudantes vão estudar em vários áreas do
saber na Universidade do Minho, outros vão estudar noutras universidades de
Portugal, sobretudo na Universidade de Aveiro. Somos, no total, mais de 200
estudantes timorenses espalhados por Portugal, alguns por conta própria, outros
com o apoio de várias instituições. Milhares de timorenses estão a estudar em
vários sítios do globo, por exemplo: Brasil, Indonésia, Filipinas, Tailândia,
Austrália, Nova Zelândia, Cuba, Estados Unidos da América, Noruega, Inglaterra,
Japão, Correia do Sul, Malásia, etc. Em alguns estados, o governo oferece aos
timorenses bolsas de estudo. Eu queria mencionar, em especial, o estado cubano,
que oferece mais de 500 bolsas a jovens timorenses que para lá vão estudar
medicina e outras áreas afins. Mais do que isso, eles também abriram o curso de
medicina na Universidade Nacional de Timor Lorosae. Fruto desse trabalho,
alguns estudantes já estão graduados.
De
entre as nações que referi anteriormente, o estado timorense está a apostar
mais na formação dos estudantes aqui em Portugal e no Brasil. É por uma questão
de política da língua. Porque a Constituição da República de Timor-Leste
consagra, a par do Tétum, a Língua Portuguesa como língua oficial (art. 13 da
CRDTL). Daí, surgiu a Lei de Bases da Educação, que define as duas línguas
oficiais como línguas de instrução. Por isso há uma obrigatoriedade
constitucional para usar a língua portuguesa como língua de ensino em todas as
escolas do país. Só que o estado timorense está consciente de que nem todos os
timorenses falam português e baseando-se na taxa de insucesso escolar do
território, surge uma política do IV Governo Constitucional que dá espaço ao
uso da língua materna nos primeiros anos escolares. Esta política está a cargo
da Dra. Kirsty Gusmão, Embaixadora da Boa Vontade para Assuntos da Educação.
Segundo
o IV Governo Constitucional, esta política pretende facilitar a interacção
entre os professores e os alunos durante os processo de ensino e aprendizagem e
visa, sobretudo, o aumento da literacia, evitando o recurso às traduções para
explicar os conteúdos programáticos e assim rentabilizar o tempo das aulas para
a efectiva assimilação dos currículos escolares. Ao longo do percurso escolar
dos alunos, com início em meados do ensino básico, vai-se introduzir aos poucos
a língua portuguesa como língua de instrução. Como cidadão, eu dou o meu apoio
moral à Mana Kirsty Gusmão pela iniciativa e pelo trabalho que ela tem feito para
o desenvolvimento da educação de Timor-Leste. Porque eu partilho das ideias dos
que pensam que através da língua materna as crianças aprendem mais facilmente
e, mais do que isso, acredito que o uso da língua materna possa estimular mais
a criatividade das crianças, uma vez que assim não terão que seguir aulas
passivamente, sem dizer nada, por causa da falta do domínio tanto lexical como
gramatical de uma outra qualquer língua não materna.
O
estado timorense está também a criar condições para a formação dos professores
timorenses em Língua Portuguesa no território. Os professores do tempo
português e não só, podem fazer acções de formação profissional em Língua
Portuguesa no Instituto Nacional de Formação de Professores e Profissionais da
Educação ou no Departamento de Formação de Professores, Séries Iniciais, na
Universidade Nacional de Timor Lorosae (UNTL), de modo a poderem dominar bem o
português e depois poderem ensinar as matérias na língua de Camões, em todos os
níveis de ensino.
A
criação do Departamento de Língua Portuguesa na UNTL é também importante, uma
vez que vai ajudar a ultrapassar a necessidades de professores timorenses
capazes de ensinar Língua Portuguesa nos ensinos pré-secundário e secundário.
Só que a grande maioria dos formados concentra-se na capital de Timor-Leste. No
interior do país, a língua de instrução nas escolas depende da língua que os
professores sabem e podem usar para transmitir a ciência aos seus estudantes.
Os que só podem expressar-se na Língua da Indonésia, usam a Língua Indonésia
para ensinar. Os que podem transmitir a ciência nas línguas nacionais, usam
essas línguas dentro da sala de aulas.
A
igreja católica em Timor-Leste também assume um papel muito importante no uso
da Língua Portuguesa, uma vez que tutela escolas que vão desde o ensino
pré-primário até ao secundário. Por exemplo, a diocese de Baucau criou um
instituto para a formação dos professores do ensino básico e secundário.
Algumas escolas da diocese utilizam o português como língua de instrução, como
é o caso da Escola Secundário Dom Basílio de Laclubar. Nessas escolas trabalham
missionários portugueses, que estão a fazer muito esforço para que o uso da
Língua Portuguesa nas escolas se torne uma realidade. Sem os seus esforços a
utilização da Língua Portuguesa nas escolas seria quase impossível. No caso da
Escola Secundário Dom Basílio de Laclubar, a população está muito grata com a
presença dos Irmãos de São João de Deus. Fruto do seu suor, no ano passado, a
escola foi visitada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, o Dr.
Luís Amado. Ele ficou admirado com o uso da sua língua materna dentro das salas
de aulas no mato de Timor-Leste, pois a escola fica mesmo no interior do país,
onde a modernização está quase fora da vida da população.
O
mais importante foi o estado timorense, em colaboração com o estado português,
ter criado as Escolas Portuguesas em Timor-Leste. Numa fase inicial, foi criada
uma escola em Díli; agora, já há Escolas Portuguesas em mais quatro distritos:
Baucau, Same, Maliana e Oecusse. Não tenho a mínima dúvida sobre a importância
destas escolas para o futuro do uso da Língua Portuguesa na sociedade
timorense. Eu até sonho com uma Escola Portuguesa em cada suco (em Portugal,
compara-se com a freguesia)!
Num
artigo que escrevi em tétum sobre a política da língua materna nos primeiros
anos escolares para o público timorense no fórum Haksesuk (http://forum-haksesuk.blogspot.pt/2012/03/uza-lian-materna-lori-hanorin-iha.html), um fórum online que publica artigos de vários autores timorenses, como por
exemplo: D. Ximenes Belo, Xanana Gusmão, D. Basílio de Nascimento ou o Pe.
Martinho Gusmão, alertei para o perigo que representa para o futuro das
crianças a utilização de uma língua de instrução na sala de aulas diferente das
suas línguas maternas. As que estão a estudar na Escola Portuguesa ou na Internacional School têm melhores
condições, comparando com as outras crianças. Todos sabemos que os professores
portugueses ou de origem anglo-saxónica têm melhor preparação académica. E têm
melhores materiais didácticos, fruto de uma produção cuidada e com rigor. Os
bons materiais didáticos e os bons professores que sabem usar bem esses
materiais didáticos vão ajudar à estimulação da inteligência e à formação das
crianças no seu todo. Então, o problema está aí: na qualidade dos professores e
dos materiais didáticos. Por isso, o meu sonho de ter, em cada suco, uma Escola
Portuguesa é válido e muito importante, é um direito constitucional do cidadão
timorense, como está escrito na nossa lei-inan, assim se diz em tétum, no
artigo 59, número 2 (CRDTL Anotada de 2011).
Não
podemos falar da reintrodução da Língua Portuguesa em Timor-Leste sem falar da
importância do desempenho dos padres jesuítas portugueses, Pe. João Felgueiras
e Pe. José Martins. Ainda no tempo da ocupação, estes jesuítas fizeram um
grande esforço para manter viva a Língua Portuguesa em Timor-Leste. Mesmo
depois da libertação do país, já em 2000, o Pe. João, antes das outras
instituições competentes, começou a abrir cursos de Língua Portuguesa, com o
apoio de alguns professores que tiveram formação no tempo português. Milhares
de jovens estudaram a Língua de Camões em Lahane na residência dos padres da
Companhia de Jesus. Por isso, a Companhia de Jesus também tem um papel muito
importante na política da reintrodução da Língua Portuguesa em Timor-Leste. A
fundação do Centro Juvenil Padre António Viera (CJPAV) foi algo muito especial
em Timor-Leste naquela altura, pois permitiu o acesso a livros e filmes em
português para as crianças, e cursos de Língua Portuguesa. Mas não só, o CJPAV
ajuda a comunidade timorense em quase tudo: desde o apoio à obtenção de
microcréditos pela população; às formações em informática, através da criação
de uma sala com computadores; às actividades lúdicas em português pensadas para
a comunidade em geral e em especial para as crianças e, ao mesmo, tempo à
distribuição de alimentos às crianças, visto que elas precisam também de
praticar alimentação saudável para garantir o sucesso da sua formação
intelectual e para a sua saúde em geral. Essas actividades são, no meu ponto de
vista, outra forma de introduzir a Língua Portuguesa na comunidade, porque as
actividades do CJPAV são feitas em Língua Portuguesa. Essas actividades também
são apoiadas por algumas entidades portuguesas.
Posso
mencionar aqui, sem hesitação, o papel importante da Companhia de Jesus na luta
da libertação do país, no esforço para manter e reintroduzir a Língua
Portuguesa em Timor. Para reforçar o trabalho que já fez, a Companhia está,
agora, a planear a abertura de dois colégios. Um é Colégio de Santo Inácio de
Loyola, dedicado à educação de base, e outro é Colégio São João de Brito, para
a formação dos professores para a Escola Secundária Superior. Está previsto o
uso das Línguas Portuguesa e Inglesa como línguas de instrução.
Não
sei se haverá regeneração dos jesuítas portugueses em Timor-Leste ou não, visto
que os dois padres que referi são velhos e precisam de descansar. Eu não sei ou
se calhar eu ainda não tive conhecimento do interesse dos jesuítas, se não
forem portugueses, pelo menos dos outros países da CPLP, para continuarem a
manter uma boa ligação do seu país de origem com Timor-Leste. Só espero que nos
primeiros anos as escolas da Companhia em Timor-Leste possam desempenhar bem o
seu objectivo de promover o uso da Língua Portuguesa, porque, às vezes, não
basta falar português ou ter aulas em português, é muito importante ter uma boa
relação com a comunidade dos falantes da língua para que muitos outros
benefícios possam fortificar, como o uso da Língua Portuguesa nesses primeiros
anos. A confiança e o afecto também podem ajudar a atrair comunidades. Estou a
falar assim, porque a Região Independente da Companhia de Jesus em Timor-Leste
tem jesuítas jovens de outras nacionalidades, mas já não tem ninguém da CPLP.
Não sei se Timor-Leste está fora do imaginário dos jovens jesuítas das outras
nações da CPLP ou se é porque Timor-Leste ainda tem alguns problemas e é um
país distante, o que poderá fazer com os jovens jesuítas não se interessem
muito por fazer missão lá.
Estamos
também muito gratos pela presença dos Leigos para o Desenvolvimento, uma
organização não-governamental que está ligada à Companhia de Jesus de Portugal
e que desenvolve as suas missões nos PALOP - Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa e em Timor-Leste. Em Timor-Leste, eles ajudam muito a população
timorense, sobretudo ao darem aulas de Língua Portuguesa e de outras disciplinas,
em português, no antigo Colégio de São José, ao ajudarem na ludoteca de Balide
e, agora, ao apoiarem a pré-primária de Santo Inácio de Loyola, em Taibessi. As
suas actividades são todas em português. Mas aprecio-os muito porque eles
também aprendem a falar tétum. Quando eu encontro alguns deles, de vez em
quando, falamos em tétum. É uma boa maneira de se integrarem na comunidade.
Aprendemos com eles, depois, gradualmente, transferimos o que aprendemos para
as nossas línguas e cultura. Neste caso, o que eles fazem é aprender o tétum
para falar com a comunidade e, aos poucos, ajudam os timorenses a falar
português. Em Timor-Leste, primeiro é preciso ganhar a amizade, a confiança dos
timorenses e depois tudo se resolve e se desenvolve.
A
Fundação das Universidades Portuguesas fez muito bom trabalho na formação dos
alunos timorenses, em português, em muitas áreas do saber, na Universidade
Nacional de Timor Lorosae. Esses antigos estudantes ocupam um papel importante
na sociedade timorense. Outra instituição importante que está a fazer muito por
Timor é o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD). O IPAD está a
fazer muitas formações em quase todas as áreas. Desde cursos profissionais, de
capacitação institucional, ajuda nas áreas de justiça, da comunicação social,
na educação até ao apoio à agricultura e à segurança alimentar. Em breves
palavras, podemos dizer que o IPAD está a ajudar naquilo que for necessário
para o desenvolvimento do país, pois, em todas estas actividades, também tem
como prioridade a implementação da Língua Portuguesa no território.
Há
um outro instituto fundamental na reintrodução da Língua Portuguesa em
Timor-Leste: o Instituto Camões. Este instituto, desde início, está a fazer um
esforço tremendo para recuperar a Língua Portuguesa, que estava quase a
desaparecer por causa da ocupação da Indonésia em todo território de
Timor-Leste. A política da reintrodução da Língua Portuguesa está no bom
caminho graças ao trabalho do Instituto Camões. Muitos cursos foram abrindo,
foram feitas muitas actividades lúdicas em português: mostras de filmes em
português ou com legendas em português e organização de outras actividades
culturais, de modo a difundir a Língua Portuguesa na comunidade. Foi o
Instituto Camões que começou por dar o passo da criação do Departamento de
Língua Portuguesa na Universidade Nacional. Não posso deixar de mencionar aqui
um trabalho muito importante para a sociedade timorense que é a organização das
feiras do livro, pelo Instituto Camões, com a colaboração de muitas outras
instituições relevantes, sobretudo os governos dos membros da CPLP. Essas
feiras são muito importantes para nós timorenses para podermos adquirir livros
em português. Nessas feiras, os livros esgotam. Compramos tudo, pois o preço é
acessível para os timorenses. Compramos os livros como se estivéssemos a
comprar sacos de arroz para comer. Não é só a barriga que precisa de se encher,
também a cabeça, o cérebro. Precisamos de o encher com conhecimento em
português. Em Timor-Leste não é normal encontrar livros em português nas
livrarias. Algo muito estranho! Eu, às vezes, penso como será possível a nossa
língua oficial ser o português e ninguém ter interesse em arriscar abrir uma
livraria com livros só em português em Timor-Leste. Acredito que nos países da
CPLP há boas livrarias que poderiam abrir delegações também em Timor e cumprir
essa função. Ou se calhar os governantes, quando fazem visitas de cortesia a
esses países, só pensam em convidar as empresas do petróleo e gás, do café, de
construção, da energia, etc e esquecem-se de convidar também algumas livrarias
importantes que podem investir em Timor-Leste. Ou se calhar essas livrarias
também ainda não vêm a importância e o benefício do mercado timorense nessa
área de negócio. Ninguém sabe. Mas seja como for, é de louvar o antigo
Presidente do país, Dr. José Ramos Horta, quando convidou a empresa do portátil
Magalhães para ver o potencial de Timor-Leste como base para o mercado do
Sudeste Asiático e da Oceânia. Porque é que os empresários timorenses não abrem
uma livraria e importam os livros dos países de Língua Portuguesa?
Outro
aspecto fundamental é a criação de uma editora em Timor-Leste que publique
livros em português. Isso pode incentivar a população e, sobretudo o mundo
académico, a escrever alguma coisa de qualidade em português. A publicação de
livros de arte, de literatura, de ciência política, de sociologia, de religião,
de história, de ciências exactas, etc em Timor-Leste permitirá à população em
geral ter uma outra noção da importância do uso da Língua Portuguesa com a
publicação de livros feitos em Timor para Timor. Tenho a certeza que isso teria
um impacto muito positivo na sociedade timorense. Notei que em Timor-Leste é
muito difícil publicar um livro. A publicação dos livros só é feita quando tem
a ver com os livros importantes das personalidades da alta sociedade. Isso não
ajuda muito à divulgação da língua. A publicação deve corresponder às
necessidades de qualquer nível da população. Compreendo que no início isso será
muito difícil, visto que os timorenses ainda não têm o hábito de ler. Mas as
coisas estão a desenvolver-se, estão a mudar. Estamos a ganhar cada vez mais a
capacidade de ler. Hoje em dia estamos num outro âmbito, estamos num país
independente; então, a necessidade de estudar é maior do que antigamente.
Quando o nível da educação de uma população é maior, maior é também a
necessidade de ler. No mundo moderno, ninguém pode viver sem informação e para
isso é preciso ler.
Uma
editora de Portugal pode criar uma sede em Timor-Leste ou uma editora de
Timor-Leste pode tornar-se uma fonte importante no reforço do uso da Língua
Portuguesa em Timor-Leste, ganhando assim também mais espaço a nível do mercado
asiático. Pelo menos em alguns países asiáticos há sinais do uso da Língua
Portuguesa. Por exemplo: China, India, Indonésia, Sri Lanka e Malásia. Quando
estou a falar na China, estou concretamente a referir-me a Macau, mas o estado
chinês também quer investir na Língua Portuguesa devido ao seu grande interesse
nos mercados dos países da CPLP. Para Portugal, diz o nobel da paz timorense,
Dr. José Ramos Horta, Timor-Leste pode tornar-se a plataforma para o mercado
asiático. Nesse contexto, não só a nível dos negócios, também é uma
oportunidade para a divulgação da língua e cultura portuguesas ou pelo menos,
como disse D. Ximenes Belo numa conferência na Universidade de Coimbra
intitulada “A Conquista de Malaca e o início da presença missionária portuguesa
no Sudeste Asiático”, Portugal deve retomar esses contactos, pois em qualquer
relação entre os estados há sempre motivos políticos, de segurança, económicos
e deve haver também motivos culturais.
Um
outro aspecto importante na divulgação da Língua Portuguesa na sociedade
timorense são os meios de comunicação. Os jornais, as rádios e os canais de
televisão em português são uma necessidade urgente e imperativa em Timor-Leste.
Hoje em dia, os meios de comunicação são muito importantes para tudo e para
todos. Por isso, era bom se houvesse uma publicação de jornais em português ou,
talvez fosse melhor, em edição bilingue, português e tétum, em Timor-Leste. Ler
notícias de fora em português não nos interessa muito. Quando há alguma coisa
sobre Timor nos jornais em português, são só uma ou duas notícias; um ou dois
artigos, pouco mais. Como acontece em todos os lugares do mundo, quando a gente
lê um jornal do país interessa-nos muito ler notícias sobre nós. Em
Timor-Leste, se houvesse um jornal em português seria melhor.
Antigamente
havia um jornal chamado Semanário. As notícias, os artigos, estavam todos em
português. Lembro-me perfeitamente deste jornal, porque lia o jornal quase
todos os dias; ler os jornais é um vício meu. Era um jornal de qualidade. Não
sei porque é que o jornal está em falência. Um outro jornal de que eu fiz parte
como tradutor, abriu em 2005, chamava-se Jornal Liafuan. Era um jornal
bilingue; a mesma notícia aparecia escrita em português e em tétum. Era um
outro jornal de qualidade, não só pelas notícias, mas também pelas pessoas que
colaboravam no jornal. Por exemplo, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros
de Timor-Leste, Dr. Zacarias da Costa, e o antigo presidente da Associação
Académica, entre 1988 e 1991, da Universidade Católica de Braga. A qualidade de
um jornal também se pode ver pelas pessoas que colaboram com ele. O jornal
tinha muita importância na sociedade timorense, onde a maioria da população é
jovem. Essas novas gerações ainda não dominam bem o português. Ainda não estou
a falar das gerações mais velhas! Destas gerações, só uma minoria é que teve
oportunidade de estudar no tempo português e sabe falar português. Ainda há
muitas coisas a fazer na política de reintrodução da língua no país.
Por
tudo isto, haver um jornal bilingue era mesmo uma novidade. Mais do que isso,
era uma ideia brilhante. Era aproximar o português aos poucos. Porque no caso
de Timor-Leste, o português é a língua oficial. Inconscientemente, as pessoas
têm curiosidade e procuram estudar português. Ter mesmo ao lado o mesmo texto
em tétum vai ajudar os timorenses a adquirir novo léxico português. Vão ter a
noção da diferença do uso dos tempos verbais, dos adjectivos, do género, do
plural e do singular, etc. aspectos fundamentais da gramática da Língua
Portuguesa que não existem em tétum. No jornal com que colaboro e de que já
falei, havia um espaço especial para o Professor João Paulo Esperança explicar
gramática do português. Era quase como se fosse um curso de Língua Portuguesa
no jornal de Liafoun. Os estudantes gostavam muito do jornal. Como eu era
Presidente da Associação dos Estudantes da Língua Portuguesa e tinha ligação
com senado da Faculdade de Educação da Universidade Nacional de Timor-Lorosae e
era activo em alguns movimentos juvenis, tinha uma maior ligação com os jovens
timorenses e eles todos falaram bem do jornal. Algumas colegas do curso usavam
o jornal na sala de aulas. Ainda hoje eu tenho o desejo de abrir de novo este
jornal ou, se isso não puder acontecer, pelo menos de ver um outro jornal
qualquer que tenha as mesmas notícias nas duas línguas oficiais de Timor-Leste.
O
sapo.tl oferece os mesmos serviços e fiquei grato por colaborar no início da
sua criação, mas em Timor-Leste o acesso à internet é muito difícil por muitas
razões, por isso, o jornal em papel ainda continua a ser importante. É mais
barato e mais acessível no interior do território. Era bom que houvesse uma boa
colaboração a este respeito entre as entidades relacionadas com esta missão de
reintrodução da Língua Portuguesa em Timor-Leste.
Os
dois outros meios de comunicação como a televisão e o rádio também têm muita
importância na sociedade timorense. É uma ideia brilhante ter um curso de Língua
Portuguesa na Televisão de Timor-Leste. Há um novo programa chamado Karik
Matenek que em português significa Espalhar a Sabedoria. É um programa
didáctico, divertido, assim se diz, e adaptado à realidade local. Desde já,
para mim é um incentivo e um estímulo muito grande para os mais novos e mesmo
para os adultos poderem aprender a língua. Uma professora minha disse uma vez
na sala de aulas que para aprender uma língua nova é melhor fazer de conta que
somos crianças, porque nessa altura queremos aprender tudo, temos curiosidade
sobre tudo, perguntamos tudo e falamos de tudo. Muitas vezes na vida, as coisas
pequenas são necessárias. O programa já é muito bom e merece os parabéns e,
mais do que parabéns, o apoio concreto para que esse programa possa continuar a
funcionar. Se eu estivesse em Timor-Leste ou se eu tivesse o contacto do
responsável pelo programa eu iria sugerir que este programa passasse também nos
programas da Rádio de Timor-Leste ou nas rádios que existem em Timor-Leste,
porque no contexto socioeconómico de Timor-Leste, o rádio tem maior área de
cobertura. Cada família em Timor-Leste tem, no mínimo, um rádio em casa. Ao
contrário da televisão, que nem todos têm.
Por outro lado, o estado
timorense desde sempre mostrou a sua disponibilidade e procura todos os meios
para que o uso da Língua Portuguesa possa ser uma realidade no dia-a-dia da
população, nas repartições do estado e também na vida académica. É importante
notar também aqui que a Universidade Nacional de Timor Lorosae procura formar os
seus professores nas universidades portuguesas ou no Brasil, para que, depois
do curso, eles possam ensinar em Língua Portuguesa em vez da Língua Indonésia
ou em Tétum. O que eu vejo é que esses professores têm uma necessidade muito
maior de formação em português. Dois ou quatro anos em Portugal não são
suficientes para dominar bem a língua. É preciso algo mais para se interiorizar
bem a língua na nossa mente porque o problema é que a língua também tem a ver
com a psique; a mente. Somos “formatados” nas línguas nacionais de Timor-Leste
desde a nascença e depois na Língua Indonésia porque fomos educados com a
Língua Indonésia desde o ensino primário até, alguns de nós e todos esses
professores universitários, ao ensino superior. Um professor timorense, na brincadeira,
disse uma vez que era bom sinal quando fossemos dormir e sonhássemos também em
Língua Portuguesa. Eu fiquei admirado pois estou completamente de acordo com a
sua lógica de pensar. Porque se isso acontecer, então mostra que a pessoa já
interiorizou a língua portuguesa e assim fala-a, automaticamente, até nos
sonhos. Para que isso aconteça, ainda há um longo caminho e muitas coisas pela
frente para fazer. Mas o que é necessário é uma formação contínua em Língua
Portuguesa para esses professores depois do curso. Eu não acredito muito que
esses professores, quando voltam para Timor-Leste, possam logo dar aulas em
Língua Portuguesa na Universidade Nacional de Timor Lorosae. Alguns sim, mas da
maioria, eu ainda tenho receio. Há duas alternativas em que eu estou a pensar:
a primeira é, depois do curso, eles continuarem cá em Portugal mais um ano, só
para fazerem um curso intensivo em Língua Portuguesa e, ao mesmo tempo, o
departamento de cada um encaminhá-los para algumas escolas para observarem como
funcionam as aulas nas escolas portuguesas. Se alguns deles mostrarem
capacidades, podem ajudar a ensinar, com orientação e coordenação do professor
em cargo, nas salas de aulas. A segunda é continuar a formação em Língua
Portuguesa em Timor-Leste.
Eu,
desde a minha chegada a Portugal, e mesmo quando eu ainda estava em
Timor-Leste, notei uma coisa bem clara: os portugueses são muito simpáticos
connosco. Tenho muito boa relação com os portugueses que foram ou que ainda
estão em Timor-Leste. Por isso, tenho a certeza que a primeira opção é viável.
O que é preciso tratar é das questões técnico-financeiras. Contudo, o estado
timorense deve assumir a sua responsabilidade na questão financeira visto que
Portugal ainda está numa situação difícil por causa da crise financeira. Pois o
que nós realmente precisamos de Portugal é “know-how”. E enquanto a primeira
opção é posta em prática, a segunda opção não deixa de ser importante e
necessária. Seja como for, a continuação da formação dos professores
universitários e também dos professores de qualquer nível do ensino e não só,
também para qualquer estudante timorense que se encontra cá em Portugal, é
fundamental para garantir uma boa qualidade no seu desempenho profissional e na
divulgação da Língua Portuguesa na sociedade timorense. Pois, Timor-Leste tem
bons planos na área de educação por ter sido apoiado por peritos de Portugal.
Para os que têm curiosidade em saber mais sobre a política de educação de
Timor-Leste, há um bom livro da Professora Ana Margarida Ramos e de Filipe
Teles, intitulado Memória das Políticas
Educativas em Timor-Leste. Tive a honra de receber este livro através do
marido da autora Ana Margarida Ramos que é um dos grandes amigos de
Timor-Leste, Professor Rui Ramos. Considero este livro como um dos bons livros
que eu recebi cá em Portugal.
Todas
estas actividades mencionadas em cima foram e estão a realizar-se baseando-se
na política do estado timorense e do estado português da reintrodução da Língua
Portuguesa no território de Timor-Leste. O que é verdade é que reintroduzir uma
língua de origem totalmente diferente no contexto timorense, com uma sociedade
multilingue, é um processo complicado. Para mais, Timor-Leste está ao lado de
um gigante, a vizinha Austrália, que, juntamente com os restantes países
vizinhos dá muita importância à língua inglesa; este é um outro desafio.
Afinal, não são só a riqueza de Timor e a sua condição geopolítica que são
importantes para a segurança do Sudeste Asiático e da Oceânia, também a questão
da língua atrai o interesse das potências estrangeiras. Alguns até têm razão
quando dizem que a Língua Inglesa é mais importante para o mundo e para a
economia do país, mas eles esquecem uma outra coisa importante, que é a questão
da identidade e da união eterna entre Portugal e Timor. Eles esquecem que os
nossos antepassados fizeram alianças com Portugal. Temos uma ligação afectiva e
de confiança com Portugal. Sei que no passado, como nos processos de
colonização em todo o mundo, aconteceram coisas menos boas, mas uma coisa é certa:
se os portugueses não tivessem chegado a Timor, se calhar Timor-Leste não
existia. Se Salazar tivesse aceitado o pedido da Austrália da compra de
Timor-Leste, eu não sei o que iria acontecer com Timor-Leste. No passado
recente, em 2006, a Guarda Nacional Republicana ajudou salvar a vida do nosso
querido Presidente da República, Dr. José Ramos Horta. A história já nos
ensinou que, quando estamos a sofrer, Portugal e os PALOP estão ao nosso lado
para nos ajudar. Só a Língua Portuguesa é que pode atar estes laços de
união.
Tudo isto é para dizer que todos nós estamos
a fazer um grande esforço para que o uso do português possa tornar-se realidade
no dia-a-dia dos timorenses. Mas, para ser sincero, ainda há muitas coisas para
fazer. Sim, e sem dúvida Timor-Leste no seu processo de reintrodução da Língua
Portuguesa ainda precisa muito do apoio dos países da CPLP, não só a nível das
instituições dos estados mas também a nível da ligação entre os povos (grass
root). Como no tempo da resistência, sem o
vosso apoio, os nossos gritos de liberdade quase não teriam eco no mundo e, no
contexto da Língua Portuguesa, hoje em dia, sem o vosso apoio, o português
continuasse como um sonho dos timorenses. Por isso precisamos que todos os
estados da CPLP e os seus cidadãos, todos nós fazemos o que podemos para que a
Língua Portuguesa, um dia, tornará como uma realidade dos timorenses.
*Aluno da Escola de Direito da Universidade do Minho.
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