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20110307

“A TRANSIÇÃO DE TIMOR-LESTE DO CONFLITO PARA A ESTABILIDADE”

Departamento de Desenvolvimento
1 Palace Street, Londres
7 de março de 2011

Exmo. Sr. Mark Lowcock, Director-Geral de Programas
Exma. Sra. Bella Bird, Chefe do Departamento de Governação e Desenvolvimento Social
Exma. Sra. Sue Lane, Chefe da Equipa de Estados Frágeis
Senhoras e Senhores,

É para mim um grande prazer estar aqui hoje e ter a oportunidade de me dirigir a esta audiência para falar sobre a “Transição de Timor-Leste do conflito para a estabilidade”, bem como para partilhar convosco algumas reflexões sobre situações internacionais.

Gostaria também de agradecer ao Departamento de Desenvolvimento Internacional por organizar este evento, assim como ao Governo e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido pelo apoio e acolhimento durante a minha breve visita a Londres.

Embora esteja aqui para falar da transição de Timor-Leste, não posso deixar de referir as rápidas mudanças a que todos estamos a assistir no mundo árabe.

Numa altura em que olhamos com interesse e preocupação para os eventos que se vão desenrolando, devemos ser claros na condenação de toda a violência contra cidadãos. Temos igualmente de esperar que a transição destes países os conduza a vidas mais prósperas.

Para que isto possa acontecer – e se podemos usar a experiência de Timor-Leste como guia – é necessário que as pessoas avancem com empatia, boa vontade e empenho em prol da paz, da reconciliação e do diálogo.

Senhoras e Senhores,

A transição de Timor-Leste do conflito para o desenvolvimento tem sido difícil. Tal como aconteceu com alguns outros países no Sudeste Asiático, a nossa experiência envolveu violência, perdas e dificuldades terríveis.

Não nos esquecemos da dor que sentimos e que faz parte daquilo que somos hoje. Porém lembramo-nos também dos enormes actos de coragem e de sacrifício, bem como da determinação extraordinária do nosso Povo em prevalecer.

A conquista da Independência foi contudo apenas o princípio da nossa luta. Temos agora pela frente o desafio permanente da Construção da Paz e da Construção do Estado.

Embora tenhamos grandes esperanças e tenhamos feito progressos, sofremos também contrariedades e cometemos erros. Aprendemos muitas lições – lições que estamos ansiosos por poder partilhar.

Todavia, ao partilharmos as nossas experiências, temos presente que não somos o único país a emergir de uma situação de conflito e que não existe um modelo único a seguir para atingir o desenvolvimento. Cada país tem a sua história, a sua experiência de vida e a sua cultura e contextos únicos.

Qualquer programa de desenvolvimento que não tente reconhecer a complexidade individual das circunstâncias locais está condenado ao fracasso. Deste modo, para que as abordagens de desenvolvimento possam ter sucesso, precisam dar resposta às exigências, necessidades e aspirações do Povo.

Senhoras e Senhores,

Permiti-me por favor que ponha as lições que aprendemos neste contexto e que fale a respeito da nossa experiência.

Timor-Leste é um País que ocupa metade de uma pequena ilha e que tem pouco mais de 1 milhão de habitantes. Visto que a outra metade da ilha pertence à Indonésia, estamos assim situados entre dois gigantes regionais, a Indonésia e a Austrália.

No seguimento da retirada de Portugal, após quatro séculos de domínio colonial, fomos invadidos pela Indonésia em 1975. Isto conduziu à nossa guerra de 24 anos pela independência, na qual morreram cerca de 200 mil timorenses. No dia 30 de Agosto de 1999 o nosso Povo votou esmagadoramente pela independência, todavia a violência e a destruição que acompanharam a votação foram também incrivelmente traumáticas. Após duas longas décadas de brutalidade e luta, o povo timorense ficou irremediavelmente marcado.

Foi neste contexto que encetámos a dura tarefa da Construção do Estado.

No dia 20 de Maio de 2002, após um período de administração por parte das Nações Unidas, Timor-Leste tornou-se um Estado soberano e independente.

O momento era de grande esperança, com os timorenses a sonharem com um futuro promissor. Porém havia muitos desafios que ameaçavam destruir este sonho.

Tínhamos falta de infra-estruturas, de recursos humanos e financeiros e inexperiência política em governação democrática. Juntando a isto o impacto do trauma e da pobreza, a nação frágil de Timor-Leste começou o seu percurso com um ciclo de perturbação e violência.

Este ciclo incluiu uma crise em 2006 que resultou em mortes e no deslocamento interno de cerca de 150 mil pessoas. O não tratamento das causas desta crise levou aos ataques simultâneos contra o Presidente da República e contra mim próprio no dia 11 de Fevereiro de 2008.

Com estas crises aprendemos que o caminho rumo ao desenvolvimento é difícil. Aprendemos que o desenvolvimento não é uma questão de dar alguns passos fáceis e de aplicação universal, como seguir uma receita num livro de culinária.

Mais importante ainda, aprendemos que precisávamos abordar directamente as causas fundamentais da nossa fragilidade.

A fim de darmos resposta às nossas circunstâncias específicas, demos passos que considerámos serem necessários, ao mesmo tempo que aderíamos a um princípio simples mas essencial: o de governar em diálogo.

Começámos por concentrar os nossos esforços na garantia da paz e da estabilidade, uma vez que é impossível haver desenvolvimento sem segurança. Trabalhámos com vista a sarar feridas, mudar mentalidades e abordar problemas sociais profundos.

Estes passos incluíram:

  1. A resolução do problema dos 150 mil deslocados internos, permitindo-lhes regressar aos seus lares e possibilitando o fecho dos campos – tivemos de comprar a paz;

  2. A reforma da polícia e das forças armadas e criação de confiança e cooperação entre ambas;

  3. A introdução de um novo quadro de governação do sector público e de gestão das finanças públicas, incluindo o estabelecimento de uma Comissão da Função Pública e de uma Comissão Anti-Corrupção;

  4. A introdução de políticas de justiça social para providenciar pensões a pessoas vulneráveis, pessoas incapacitadas e idosos;

  5. O reconhecimento e apoio dos nossos heróis nacionais, os Combatentes da Libertação Nacional, muitos dos quais estavam a viver em situações de pobreza extrema; e

  6. O apoio à emergência de um sector privado local.

Estes passos permitiram aumentar a confiança nas instituições do Estado e criaram alicerces de segurança e estabilidade a partir dos quais poderíamos desenvolver a nossa nação.

Durante este período, e uma vez que estávamos a lidar com necessidades prementes, a apagar fogos e a dialogar com o nosso Povo, sentimos alguma tensão com os nossos parceiros de desenvolvimento internacionais. Estes pediam-nos planos a médio e longo prazo, de modo a poderem preparar as suas estratégias plurianuais de assistência. Acontece que durante este período não nos pudemos dar ao luxo de desenvolver um plano a longo prazo. As circunstâncias mudavam tão depressa que precisávamos ser capazes de mudar de rumo quando necessário para assegurar a sobrevivência do Estado.

Durante períodos como este, para que uma nação doadora seja eficaz é necessário que seja flexível e que tenha capacidade para se ajustar a prioridades novas e emergentes. Em circunstâncias de fragilidade, isto significa que os programas de desenvolvimento precisam ser capazes de responder rapidamente a necessidades urgentes e que precisam evitar comprometer recursos financeiros em modos estreitos de apoio ou áreas políticas discretas.

Senhoras e Senhores,

Os últimos três anos em Timor-Leste foram já anos de paz e estabilidade.

Existe um grande sentimento de confiança e boa vontade nas nossas ruas e aldeias, sendo que Díli deve ser actualmente uma das capitais mais seguras em todo o mundo.

A nossa estabilidade possibilitou também a emergência de uma economia nacional forte. Timor-Leste tem actualmente um dos crescimentos económicos mais rápidos do mundo.

Mesmo com a crise financeira mundial, Timor-Leste tem tido uma taxa de crescimento económico com dois dígitos nos últimos três anos. Em 2009, o nosso crescimento foi de 13% – uma das dez taxas mais elevadas em todo o mundo.

Actualmente Timor-Leste não tem dívidas e possui 7,4 mil milhões de dólares investidos através do nosso Fundo Petrolífero.

Embora o nosso crescimento económico seja um meio através do qual estamos a reduzir a pobreza, sabemos que não é a única resposta. É por esta razão que estamos concentrados em atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e que desenvolvemos programas para chegar ao nosso povo espalhado pelas nossas aldeias e vilas.

Embora sejamos ainda um país pobre com desafios enormes, conseguirmos fazer a transição a partir do conflito e estamos agora a trilhar o caminho rumo ao desenvolvimento.

Senhoras e Senhores,

A comunidade internacional tem estado connosco desde o início. Timor-Leste tem tido a sorte de poder contar com o apoio de parceiros de desenvolvimento generosos.

Queremos agora fazer o que está ao nosso alcance para contribuirmos para outras nações do mundo, neste mesmo espírito de solidariedade e de amizade.

Timor-Leste teve a honra de ser convidado para presidir ao grupo ‘g7+’, o qual permite a países frágeis ou afectados por conflitos juntarem-se e falarem a uma só voz. Permite-nos a todos aprender com a sabedoria e a experiência partilhada de 17 nações espalhadas pelo globo, representando 350 milhões de pessoas.

O g7+ dá-nos um mecanismo para usarmos o espaço dado pelo diálogo de desenvolvimento mundial de forma a explorarmos novas possibilidades em termos de solidariedade e acção em Estados frágeis. Constitui uma oportunidade para os nossos países de retomarem as rédeas dos seus programas de desenvolvimento e garantir que estes não enfraquecem a sua autodeterminação.

O g7+ permitirá a países mais fracos, bem como aos países fortes, contribuírem para a criação de conhecimento a respeito do desenvolvimento, assim como controlarmos a maquinaria do nosso processo de desenvolvimento, sendo responsáveis pelas suas falhas mas ao mesmo tempo celebrando também os seus sucessos.

O g7+ dará também um fórum para procurarmos compreender as consequências e as lições do crescimento da China e de vivermos num mundo onde o projecto de redução da pobreza mais significativo da história da humanidade foi feito em grande medida sem ajuda externa e sem a globalização dos mercados financeiros.

O convite para presidir ao “g7+” resultou da organização por parte de Timor-Leste, em Abril de 2010, do Diálogo Internacional sobre Construção de Paz e Construção de Estados. Este Diálogo, co-presidido pela Dra. Emília Pires, Ministra das Finanças de Timor-Leste, bem como pela Dra. Bella Bird, do Reino Unido, tem um enorme potencial para transformar as relações internacionais de assistência de desenvolvimento e para melhorar os resultados em prol das pessoas mais vulneráveis em todo o mundo.

Senhoras e Senhores,

Gostaria de dizer uma última coisa sobre desenvolvimento.

Estou ciente de que existem muitas pessoas reticentes sobre a possibilidade de países do terceiro mundo se conseguirem desenvolver. Essas pessoas acabam por valorizar mais os insucessos da ajuda internacional do que os sucessos.

Em Timor-Leste estamos bem situados para comentar sobre o insucesso de alguns programas de desenvolvimento, dado que vivemos a experiência e sentimos, de forma profunda, a desilusão. Mas expressar estas preocupações é a saída mais fácil. O caminho mais corajoso é o do trabalho árduo, com optimismo e esperança, em prol de um futuro melhor.

Desistir de aliviar a pobreza extrema e de melhorar a saúde e a educação do nosso Povo não é uma opção.

Timor-Leste tem a sorte de estar localizado numa região que acolhe a maior parte das histórias de sucesso no que toca a desenvolvimento em todo o mundo, incluindo a China, a Índia, a Malásia, a Indonésia, Singapura, a Coreia do Sul e a Tailândia.

Conseguimos ver de forma clara a promessa do desenvolvimento.

Gostaria de agradecer ao Reino Unido pelo seu papel importante no apoio ao Diálogo Internacional e ao “g7+”, bem como pelo seu empenho relativamente aos Estados frágeis.

Espero que possamos continuar a trabalhar juntos, não só para tornar Timor-Leste mais uma história de sucesso em termos de desenvolvimento, como também para melhorar a vida das pessoas nos países menos desenvolvidos do mundo.

Kay Rala Xanana Gusmão
7 de Março de 2011

)* Alocução de sua Excelência o Primeiro-ministro e Ministro da Defesa e Segurança, Kay Rala Xanana Gusmão. “A TRANSIÇÃO DE TIMOR-LESTE DO CONFLITO PARA A ESTABILIDADE”

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