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20100321

Alfredo Esteves: "Futebol português ajudou-nos a resistir à ocupação indonésia"

Alfredo Esteves representou Timor no Jogo Contra a Pobreza - Natália Carrascalão, embaixadora em Portugal, lembra entusiasmo pelos clubes portugueses - Escola em Dili a concretizar

por João Esteves

Pouco importa o dia, muito menos a hora. Seguramente, é madrugada em Dili. "As pessoas assistem aos jogos do campeonato português, em directo, em frente ao palácio do Governo... São às centenas. Vale a pena passar por lá para ver", revela Natália Carrascalão, embaixadora de Timor-Leste em Portugal, a A Bola, numa conversa motivada pela recente presença de Alfredo Esteves, capitão da selecção timorense, no Jogo Contra a Pobreza.

Um anfiteatro ao ar livre que, por hora e meia, mais parece um qualquer estádio português, numa transformação difícil de perceber, mesmo por quem já viveu a experiência de perto. "O Governo tem tido o cuidado de passar os jogos em locais públicos e é impressionante perceber o entusiasmo da juventude. Se fossem apenas pessoas de mais de 40 anos, ainda podia perceber. Mas são miúdos, jovens que já nasceram num período sem qualquer ligação a Portugal, e que continuam a viver entusiasticamente o futebol português. É isso que me surpreende", acrescenta a embaixadora.
  • "Espero transmitir a minha experiência através da criação de uma escola de futebol em Timor. É um projecto que estou a desenvolver" ALFREDO ESTEVES, Capitão da selecção de Timor Leste.
Um fascínio pelos clubes portugueses "transmitido de pais para filhos" e que resistiu a tudo. Até a 24 anos de ocupação indonésia. "Temos adeptos do Benfica, Sporting, Porto, Belenenses, Boavista... de todos. Vive-se o desporto, e o futebol português em particular, com muito entusiasmo", reitera Natália Carrascalão, apresentando leituras que podem ajudar a perceber o fenómeno: "Os jovens, que nasceram nos tempos da ocupação indonésia, nunca saíram de Timor e continuam a viver intensamente os clubes de Portugal. A verdade é que nos tempos das ocupação o futebol foi uma forma de resistência", enfatiza a embaixadora.

A ESCOLA DE ALFREDO EM DILI

Jovem democracia da Ásia, o futebol continua a ser um dos principais elos entre Portugal e Timor Leste. Uma ligação estreita e forte, sustentada, também, pelo papel de embaixador do futebol timorense (a federação foi criada em 2002 e registada na FIFA em 2005) desempenhado por Alfredo Esteves. "Timor é assim mesmo. Filho de pai português e mãe luso-timorense, nasce em Portugal, vive na Austrália e é capitão da selecção de Timor Leste. É esse o nosso espírito, a nossa forma de estar no Mundo", congratula-se Natália Carrascalão, "orgulhosa" pela representação de Timor Leste no Jogo Contra a pobreza, realizado no Estádio da Luz, evento que fez questão de acompanhar in locco: "Lembramo-nos bem que, nois momentos mais desagradáveis que aconteceram em Timor, também o povo português nos ajudou e esteve do nosso lado. Nós agora, mesmo sendo poucos, devemos contribuir da mesma forma para quem precisa. Como embaixadora de Timor Leste, o meu orgulho aionda foi maior, não só por ser no estádio do Benfica, um clube a que toda a minha família sempre esteve ligada, mas principalmente por ver um jovem, capitão de uma selecção timorense, a representar o seu país e a contribuir para que o apoio ao povo haitiano seja visível. Que outros sigam o exemplo. Sinto-me honrada e orgulhosa e os timorenses ficaram todos "babados".

No relvado da Luz, Alfredo Esteves, 33 anos, juntou-se pela terceira vez aos amigos de Zidane e Ronaldo. Levando, de novo, o nome de Timor Leste a todo o Mundo. "Orgulho e satisfação enormes. E logo em Lisboa, no Estádio da Luz, do Benfica, que sempre foi o meu clube. Mais uma vez participei e representei Timor num evento desta importância, sobretudo pela causa associada. Vou estar sempre disponível para ajudar", revela o futebolista, agora a jogar na Austrália, "mais próximo ainda de Timor."

Da presença de Alfredo Esteves no Jogo Contra a Pobreza fica também mais uma oportunidade para Timor "mostrar positivamente a sua imagem, dando a conhecer Timor Leste ao Mundo de uma forma positiva", explica Natália Carrascalão. "Nós, timorenses, temos muita coisa boa para mostrar e não só aquilo que, por vezes, tentam colar-nos. Somos iguais a todos os outros povos. Temos os nossos defeitos e as nossas virtudes. E temos o exemplo do Alfredo, que nasceu em Portugal e vive na Austrália, mas faz tudo para representar um país que acaba de nascer, com sete anos de independência plena, e tem orgulho em erguer a nossa bandeira na Europa e no Mundo. Somos um país pequenino lá na Ásia, importa lembrar, mas marcámos presença no Jogo Contra a Pobreza", reforça a embaixadora de Timor Leste em Portugal, que encontra no fomento da prática desportiva uma mola impulsionadora da sociedade timorense.

"O desporto pode ajudar todas as sociedades a evoluírem, porque começa por envolver os mais jovens e são esses os futuros líderes de qualquer nação. Ao mantermos os jovens ocupados com o desporto, estamos a manter as suas mentes ocupadas com algo que pode produzir melhor qualidade de vida. E o Alfredo é uma pessoa que pode dar muito a Timopr Leste", reconhece. Alfredo Esteves aceita o repto e traça metas para um futuro próximo:

"Espero transmitir um pouco da minha experiência. Como? Através da criação de uma escola de futebol em Timor. É um projecto que desenvolvo há algum tempo. Depois de terminar a carreira, gostava de passar para a formação. Uma escola em Timor, por várias razões, seria o ideal. Adoro trabalhar com jovens e quero transmitir as minhas experiências aos miúdos timorenses. Há bastante talento", lembra.

APELO AOS CLUBES PORTUGUESES

Para a concretização do projecto, Alfredo Esteves conta, desde já, com o apoio das "autoridades" timorenses que "seguiram que seguiram com toda a atenção e entusiasmo" a sua participação no Jogo Contra a Pobreza. "Mas o Alfredo não consegue fazer nada sozinho. Os jovens olham para ele como uma pessoa de sucesso mas falta-nos uma escola de futebol, treinadores...", reconhece Natália.

Será preciso, por isso, unir vontyades. "Seria simpático que países mais desenvolvidos ajudassem o Alfredo a criar uma escola de futebol para jovens em Timor. Era uma forma de contribuírem para o desenvolvimento do desporto em Timor. Nós já temos o know-how, através do Alfredo, as autoridades estão atentas... Faço um apelo aos clubes portugueses que sejam nossos parceiros para que os jovens timorenses também consigam singrar no desporto. Ainda recentemente, tive oportunidade de acompanhar o ministro da Economia e Desenvolvimento, João Mendes Gonçalves, e convidar o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, a visitar Timor. Mas não faço questão que seja, apenas, o presidente do Benfica. Estamos receptivos a todos os outros clubes. Timor Leste é uma questão transversal a todas as sociedades e classes, não tem cor partidária ou clubística. Temos ideias, temos vontade, entusiasmo e experiência do Alfredo, precisamos de meios para colocar os projectos em prática", acrescenta a embaixadora, revelando que, em termos infra-estruturais, "as coisas estão a tomar forma, há organização mas precisamos de apoios e de técnicos especializados."

Memórias de um jogo inesquecível em Dili

Alfredo Esteves jogou ao lado de alguns dos mais destacados executantes do planeta, fez a marcação a Romário no soccer, e conta muitas outras experiências em Itália, nos Estados Unidos e agora na Austrália. MAs há um jogo, em especial, que perdurará para sempre na sua memória. O relato na primeira pessoa: "Em 2004, na fase de preparação antes de irmos para a Tiger Cup, na Malásia, realizámos um jogo de treino com a selecção sub-21 na Indonésia. Foi no Estádio Nacional, em Dili. Foi também a primeira vez que uma equipa da Indonésia jogou em Timor. O estádio tem uma capacidade para três mil pessoas sentadas e estavam 20 mil no estádio. Choveu muito antes do início do jogo, o campo ficou muito pesado, com muita água... Na altura, o então presidente Xanana Gusmão, foi ao microfone e sugeriu que o jogo se realizasse no dia seguinte. Mas ninguém arredou pé e o jogo realizou-se mesmo. Uma sensação única. No autocarro, a caminho do estádio, toda a gente a incentivar-nos.

Indescritível. Não esperava tanta gente a apoioar-nos. Foi um dos melhores momentos da minha carreira. Um dia fantástico, uma grande festa. O jogo ficou 1-1. Foi o primeiro jogo depois da independência, rodeado de algumas medidas de segurança. Mas foi tudo pacífico", recorda.
Nota: Transcrição do artigo de 2 páginas editado no sábado, 06 Março 2010, páginas 24 e 25 do jornal A BOLA, edição em papel.

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