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20081208

Um G20 inútil

por Serge Halimi

Inaugurada há trinta e quatro anos, a reunião anual do clube dos países ricos tinha envelhecido. O círculo tornara-se demasiado estreito, demasiado ocidental, excessivamente abastado. De início, a Ásia só estava representada pelo Japão, em geral mudo; a América Latina e a África não tinham assento neste conclave. Mas depois, com a queda dos muros, a reviravolta do mundo, a aldeia global e o diálogo das culturas, o Grupo dos Seis (G6) de 1975 [1] tornou-se no ano seguinte G7 (entrada do Canadá), G8 em 1997 (integração da Rússia) e metamorfoseou-se em G20 em 1999, ou seja, muito antes de Nicolas Sarkozy atribuir a si mesmo o mérito de todas as inovações mundiais.

Com a irrupção do Brasil, da Argentina, da África do Sul, da Índia e da China, futurava-se que o G20 ia transformar uma ordem internacional carunchosa, dar a palavra aos países do Sul, acabar com o «Consenso de Washington». Em Novembro de 2008 a ocasião pareceu ideal. Pois não constituíam a bancarrota financeira e a urgência económica a grande oportunidade para se fazer tábua rasa de tudo e para tudo se «refundar», na polifonia do novo mundo?

Mas, segundo parece, passa-se com esta diversidade o mesmo que com algumas outras… Esta, desligada do movimento social, mascara as velhas relações de poder, substituindo gerentes cansados por societários mais vivaços. Quanto ao itinerário seguido, praticamente não foi alterado. «Seremos guiados, nas nossas análises», anunciam os Estados do G20, «pela convicção comum de que os princípios que regem o mercado, as economias abertas e os mercados financeiros correctamente regulamentados favorecem o dinamismo, a inovação e o espírito empresarial indispensáveis ao crescimento económico, ao emprego e à redução da pobreza». Com alguma lata, insiste o comunicado: «Tais princípios fizeram sair da pobreza milhões de pessoas e tornaram possível um importante aumento do nível de vida mundial». O mesmo é dizer que a estratégia seguida desde há trinta anos foi a melhor e que a crise actual – banal acidente de percurso? – será solucionada com uma regulamentação mais «correcta» dos mercados financeiros. Saudemos aqui a abnegação da Argentina, desse país cujas cicatrizes ainda em sangue exibem a nocividade do breviário liberal que há pouco assinou.

Dois meses após a bancarrota de Wall Street, é inútil procurarmos neste texto do G20, mescla de banalidades e de chavões (mas também de reiteração do dogma), uma qualquer crítica às políticas baseadas nas desigualdades – e às instituições financeiras – que, por exemplo, levaram dezenas de milhões de pessoas a endividar-se para compensar o esboroamento contínuo dos seus rendimentos. Nem uma palavra, tão-pouco, sobre os paraísos fiscais, a não ser que estes últimos não devem temer como uma sentença de morte o anúncio de que vão ser estudadas certas disposições com vista a «proteger o sistema financeiro mundial das jurisdições não cooperantes e não transparentes que apresentem riscos de actividades financeiras ilegais» [2]… Quanto aos fundos especulativos, que se ponham a pau os apreciadores, visto os países do G20 terem prometido uns aos outros que vão «aumentar as suas exigências em matéria de transparência dos produtos financeiros complexos». Mas como poderá o G20 apontar os culpados se os principais culpados continuarem a redigir os seus comunicados?

Já se sabe que um «novo Bretton Woods» não se atamanca em poucas semanas. O acordo original, de 1944, levou mais de dois anos a preparar. Mas o carácter improvisado da reunião, paralelamente à substituição de poderes em Washington, não explica tudo. Porque os «20» souberam por vezes falar com clareza: «Devemos sublinhar a que ponto é vital rejeitar o proteccionismo (…). Nos próximos doze meses, não iremos erguer novas barreiras ao investimento e ao comércio de bens e serviços (…). Iremos esforçar-nos por conseguir obter este ano um acordo sobre modalidades que levem à conclusão da agenda de Doha para o desenvolvimento, da Organização Mundial do Comércio (OMC), com um resultado ambicioso e equilibrado». Seria sem dúvida uma conclusão bastante singular – e certamente provisória… – da actual tempestade económica que o comércio livre e a globalização financeira pudessem valer-se do aval de governos que representam 65 por cento da população mundial.

Quarta-feira 3 de Dezembro de 2008

Notas
[1] Incluía a França, a República Federal da Alemanha, a Itália, o Japão, o Reino Unido e os Estados Unidos.
[
2] Segundo a tradução francesa da declaração da Cimeira de Washington, 15 de Novembro de 2008. Este texto, disponível no sítio Internet da Presidência da República francesa, tem a acompanhá-lo a seguinte e insólita precisão: «Só a versão em inglês é comprobatória».

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