Ana Gomes**
O processo eleitoral em Timor-Leste tem sido objecto, em Portugal, de dois comentários reveladores, sobretudo, de entendimento distanciado e superficial da realidade timorense: 1) grande surpresa, a da expressiva votação em Fernando Araújo (Lasama). 2) os timorense estão divididos (em tom a meio caminho entre a censura e a decepção).
A «grande surpresa» da votação no líder do Partido Democrático só pode ter surpreendido quem não conhece Timor ou não esteve atento às implicações da crise de 2006. Ou, ainda, quem quis fiar-se na versão da FRETILIN no poder (onde continuou, apesar de Ramos Horta «chefiar» o Governo), destilada em reportagens mais complacentes que comprometias... É que já em 2001, mal tinha o PD acabado de nascer (instigado, como todos os novos partidos, por Xanana Gusmão, apostado em não deixar reproduzir-se o perigoso espectro partidário de 1975), logo conseguiu o segundo lugar, ainda que só com oito por cento dos votos. A subida quase 20 por cento, agora, resultará mais da percepção sobre o partido governamental, do que de mérito do PD (mas rendeu a experiência da RENETIL para a campanha por terrenos adversos, mesmo sem camiões, brindes ou almoços pagos). Não fosse a candidatura de Ramos Horta (sem partido, embora já ajudado pelo anúncio do CNRT na forja), e a subida do PD ainda seria mais impressiva, cruzando votos dos jovens desempregados (a maior parte da população timorense), com o grosso dos descontentes, centrados em Dili e nos distritos «loromonus», a oeste (afinal, os mais populosos).
Que os timorenses apareçam «divididos» numa votação entre oito candidatos presidenciais (incluindo uma mulher, Lúcia Lobato, que fez diferença), também não admira: em democracia, é o normal. Tanto dá que votem timorenses, portugueses ou argentinos: o objectivo da votação é justamente a apurar como se dividem os eleitores, para determinar quem é eleito (ou passa) à segunda volta, como em Timor-Leste).
Lamentar a «divisão» dos timorenses poderá traduzir desapontamento daqueles que acreditaram em quem afiançava «esmagar» à primeira volta. Mas bastará «apalpar» o Timor do último ano para perceber que a propaganda eleitoral não passava disso mesmo, sobretudo vinda do partido a quem o povo inevitavelmente julgaria pela governação (e voltará a julgar, na segunda volta e nas eleições legislativas). Quem lamenta não compreendeu ainda que os timorenses, por pobres e iletrados que sejam, de estúpidos nada têm: são tão sofisticados politicamente, quanto tiveram sempre de se adaptar para sobreviver. Quem tente intimidá-los, poderá ver aceitar dinheiro ou arroz, e obter «amens» e até braços no ar em congresso; mas deverá também contar que, na hora de deitar votos na urna, a recato, tudo só depende da consciência de cada timorense. Em 30 de Agosto de 1999, a Indonésia aprendeu no que dá usar metodologia intimidatória em Timor-Leste. A FRETILIN está a aprender: já em 2001 não logrou os 85 por cento dos votos de que se vangloriara, ficando-se pelos 57,5 por cento; agora baixou para metade.
A avaliar pelos resultados apurados desde 9 de Abril, os timorenses dividiram-se «equilibradamente»: tanto que nenhum candidato conseguiu assegurar eleição à primeira volta. A repartição traduz o pluralismo em que hoje se exprime a sociedade timorense. O que terá de merecer uma leitura positiva, se recuarmos ao reduzido quadro de opções que os timorenses tinham em 2002, quando esmagadoramente elegeram Xanana Gusmão para a presidência da República. Preocupante seria se esse quadro se tivesse entretanto estreitado. Mas, cinco anos passados e desaparecendo a figura histórica, federadora, de Xanana do horizonte isto não é fruto do amadurecimento político da sociedade timorense, se isto não representa um avanço democrático em Timor-Leste, apesar da críse ou mesmo por causa da crise, então o que é, e como se traduz, a democracia?
Tal como Portugal em diversas eleições desde um certo Abril, também Timor-Leste se dividiu salutarmente no dia 9. Nesse dia os timorenses deram mais uma comovente demonstração de confiança na democracia como método para resolver diferenças e contradições, de forma pacífica: afluíram em massa às urnas, esperaram pacientes à torreira do sol e votaram ordeiramente. Num dia de eleições como há poucos no mundo, salientou o Representante Especial do S.G.da ONU, Atul Khare:« Pela primeira vez em 93 países onde trabalhei ou visitei, tive um relatório de polícia com zero crimes, zero vítimas e zero detenções».O povo timorense mostrou ser plural e que é pelo voto que quer dividir o trigo do joio: para somar democraticamente. Pela paz e pela boa governação.
*Currier Internacional, Edição 107,20.04.2007,pag./Hal.6**
Ana Gomes, Eurodeputada do PS (Partido Socialista), foi representante de Portugal na ONU, Londres e Tóquio. Destacou-se na secção de interesse Portugal na Indonésia (e tornou-se embaixadora), pela defesa do povo de Timor-Leste!
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