Fundamental é Timor inventar um tradição
http://www.hojemacau.com
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Carlos Picassinos --
Para onde vai Timor-Leste? É a pergunta que angustia os timorenses e os observadores quando anteontem começou o início de uma campanha para eleições legislativas que “vão ser a síntese da crise” que afectou o pais, como afirma Paulo Castro Seixas, um dos participantes na mesa redonda de hoje à tarde no Instituto Interuniversitário de Macau, sobre o futuro da ex-colónia portuguesa. Nesta entrevista, o antropólogo fala da importância das próximas legislativas e da necessidade de Timor saber encontrar um alternância política. Mas, acima de tudo, é essencial uma intervenção cultural em Timor-Leste capaz de gerar uma narrativa nacional aberta ao cosmopolitismo aberto ao mundo. “O grande desafio do século XXI é construir países plurinacionais ou pluriétnicos”. E “Timor é o típico país do século XXI”, afirma.
Como é que perspectiva o futuro próximo de Timor-Leste?Para já, esperemos que com as eleições [legislativas] esta crise acabe. Todos os timorenses esperam isto. Que se vire a página, que este período possa passar. A eleição do presidente Ramos Horta foi um momento importante pelo consenso que gerou. Estivemos diante de um consenso de um presidente eleito com 69 por cento e conseguir o apoio de seis partidos é importante. Estamos no caminho certo mas estas eleições legislativas são fundamentais. Estou com grande expectativas sobre o que vai acontecer, como os diversos partidos se posicionam. Sabemos que há por parte dos partidos, em relação à Fretilin, uma vontade de estabelecer uma alternativa, e a Fretilin sabe disso. Não é tão claro assim que essa alternativa seja fácil. Temos vários partidos, um deles que é novo, o partido do CNRT, do ex-presidente Xanana Gusmão, e vamos ver o que vai acontecer. Eu aponto para a possibilidade de alguma coligação pré ou pós-eleitoral. É um cenário bastante possível. Espero que corram bem estas eleições porque vamos assistir aqui a um flash back, a um resumo de toda a crise. É algo de extremamente interessante e é nesse sentido que vou agora para Timor, durante a campanha. Se houver alternativa, que é bem possível neste horizonte, temos aqui uma verdadeira aprendizagem democrática, muito rápida, num país com cinco anos de independência.
As municipais já tinham corrido bem.
Houve algumas críticas, de manipulações, por exemplo. Mas se tudo correr bem, estamos perante essa aprendizagem. Estamos todos na expectativa sobre como é que Timor vai gerir isso. Mas a minha preocupação em relação a Timor Leste não passa apenas pela questão política. Eu acho que o Estado é como que um telhado de toda uma construção que ainda está a ser feita que é a da própria nação. Se olharmos para o futuro de Timor-Leste apenas do ponto de vista politico estamos a cometer um grave erro. É evidente que neste momento conjuntural o nosso olhar não pode deixar de ser esse, mas temos de olhar para toda a construção e não apenas para o telhado. O que me parece mais importante é a relação entre estado e sociedade e a relação entre passado, presente e futuro. Há aqui uma série de traduções, há uma cultura da tradução em Timor-Leste, todo um conjunto de mecanismos de tradução, não apenas de tipo linguístico. Claro que esta é muito importante porque há cerca de trinta grupos étnico-linguísticos em Timor, mas mais do que isso, há uma tradução social e cultural que é necessário analisar. Ou seja, há mecanismos tradicionais, de vivência e de pensamento, e há mecanismos muito modernos como a constituição, um Estado funcional, e há traduções entres esses diversos níveis. Entre o tradicional e o moderno, entre o passado, o presente e o futuro. Parece extremamente importante compreender as formas, os mecanismos dessa tradução. Não apenas do ponto de vista antropológico, mas sobretudo, é importante para os próprios timorenses. Se perceberam esses mecanismos vão conseguir gerir mais adequadamente a sociedade timorense. Eu acho que esse é verdadeiramente o desafio do futuro. Em muitas outras sociedades, na Europa, - com sociedades mais antigas - conseguimos tomar consciência de narrativas importante para nós. Penso em narrativas relativas aos antepassados de um Estado-nação e também aos heróis de um Estado-nação, reis, e o que seja. Em Timor, toda esta estrutura mítica, em parte existe, mas não está oficializada. Ela existe porque é um país muito antigo, um território com uma cultura muito específica. A nação timorense tem uma história muito longa. Há mitos e narrativas perfeitamente estabelecidos e conhecidos, mas é um conhecimento que não foi colectivizado no sentido nacional do termo. É um conhecimento que passa entre gerações e quando nós, antropólogos ou não, perguntamos se dada narrativa também existe aqui ou acolá, nas várias regiões de Timor percebemos que nalgumas existem, e noutras, há versões e variantes. Ainda há narrativas timorenses que se encontram na Indonésia e outra na Nova Guiné. Ora bem, o que é necessário para se construir uma nação com vínculos de todos é criar essas narrativas nacionalistas, de um ponto de vista nacional. Ou seja, que passem a ser estabilizadoras e reconhecidas enquanto património em função do qual podem reflectir sobre eles próprios. Uma espécie de espelho que serve para a construção do futuro. Isso está por fazer. Para mim é claro que existe um Estado, em Timor, existe uma nação com aspectos fortes mas falta um património nacional, para não falarmos de nacionalismo. Falta um património nacional que sustente um nacionalismo.
Acha que essa categoria ‘nação’ é operacional em contextos como o de Timor-Leste, ou em processos de nation building em contextos como o de Timor-Leste?Não me parece que neste momento o Sudeste Asiático, com as etnias e a nação, seja muito diferente do da Europa. O que me parece é que vivemos num quadro pós-colonial que apresenta, para ser simples, duas características muito evidentes em vários sítios do mundo. Em 1945, havia cerca de cinquenta países no mundo, o resto eram colónias. No ano 2000, o número de países multiplicou por quatro. Houve uma explosão de países ao mesmo tempo que houve uma implosão de identidades. Mesmo nos países europeus como a França, a Bélgica ou os da ex-Jugoslávia, ou mesmo na Espanha, de forma mais conflituosa ou mais latente, mas estando lá, as etnicidades, ou os regionalismos, existem. Agora, temos que construir culturas nacionais ainda que não correspondam a um consenso e correspondam antes a uma pluralidade de vínculos. Esse é o desafio do século XXI, não apenas para Timor-Leste mas para muitos países. Para a Indonésia, para a China. A partir do momento que se democratize mais, os vínculos diferenciais vão vir ao de cima. O grande desafio do século XXI é construir países plurinacionais ou pluriétnicos.
É o caso de Timor?
Sim. Timor é um país de clãs. Nunca se chegou a um nível de tribos nem a uma organização política de diversos clãs. E essa, muitas vezes, é a base da construção política de uma identidade étnica forte. Isso nunca aconteceu. No último ano, houve uma questão que emergiu e que, aparentemente, evidenciava duas entidades étnicas. Mas elas não foram denominadas, pela primeira vez, no ano passado. Já no tempo colonial português. Eu próprio já tinha escrito sobre essa permanência étnica latente. E o que me parece é que estamos perante uma questão politicamente problemática que deve ser analisada com imenso cuidado. Felizmente já está a ser analisada. Teria sido melhor ter-se analisado essa questão antes de 2006. Infelizmente, a ONU, na sua intervenção, não dedicou importância nenhuma a essa questão. Mesmo quando a crise de 2006 revelou a aparente, ou efectiva, existência de duas etnicidades, mesmo assim, havia gente da ONU que estavam há três ou mais anos em Timor que nunca tinham ouvido falar de tal coisa e partiam, mesmo, do princípio completamente errado de que era uma criação, uma invenção recente. Já se sabia muito bem que essa divisão existia e já vinha dos tempos coloniais.
Tem uma tradução partidária?
Não tem de uma forma evidente. Agora é evidente que na segunda volta das eleições presidenciais, Lu Olo, o candidato da Fretilin, ganhou em apenas três distritos. E esses distritos são os três do Leste que correspondem, dois de forma clara, Baucau e Lautem, aos chamados firaku por contraposição aos kaladi que são os do oeste. Esta a grande divisão que emergiu em 2006 entre os lorosae (firaku) e os loromun (kaladi).
Está dizer que estas eleições presidenciais traduziram essa dicotomia.Uma coisa é certa. Nestas eleições, na segunda volta, os três distritos da ponta leste votarem em Lu Olo. Já se estava à espera.
Mas isso é relevante?
Eu diria que não. O que se verifica é que há essa tendência dos de leste votarem mais na Fretilin. Os últimos comandantes da Resistência foram maioritariamente da Fretilin. A Falintin-FDTL foi constituída, maioritariamente, por pessoas do leste. Digo apenas que há aqui ligações que são feitas e é evidente que também há um problema a resolver. O país tem um problema mas tal como a Itália tem ou Portugal tem em relação ao norte e o sul. É um problema que devia merecer uma intervenção política mas também cultural. Acho, há muito tempo, que só com uma intervenção política não se vai lá. Volto ao mesmo. Fundamental é, e isso tem que ser feito pelos timorenses, inventar uma tradição. Todos os países que se tornam um Estado-nação inventam as suas tradições. Nós, os portugueses, inventaram que somos descendentes de Lusitanos. Não somos coisíssima nenhuma. Somos descendentes de uma série de migrações imensas, como os timorenses, porque somos uma ponta da Europa. Mas nós inventámos uma tradição no sentido de construir uma identidade. Essa tradição tem que ser inventada pelos timorenses. Inventada e sustentada pelas narrativas, pela sua história oral como nós fizemos as nossas.
Para escapar à tentação étnica?Não. Não é, de facto, para escapar. Os regionalismo ou as etnicidades são identidades que devem ser assumidas dentro de um Estado-nação que não é mais homogéneo. Hoje os Estados-nação não correspondem mais a um único território, uma língua, um povo. O caso de Portugal é uma excepção, e é pequeno.
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