NUSA DUA, BALI
9 DE DEZEMBRO DE 2010
Sua Excelência Presidente da República da Indonésia, Dr. Susilo Bambang Yudhoyono
Sua Excelência, Co-Chair, Presidente da República da Coreia, Sr. Lee Myung-bak
Sua Excelência Ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia
Suas Excelências Chefes de Estado e de Governo
Distintos Membros das Delegações
Senhoras e Senhores,
É com renovada satisfação que volto a participar no Bali Democracy Forum, fórum este que tem vindo a fazer parte da minha agenda nestes últimos três anos, porque acredito que estes encontros estimulam a reflexão e incitam ao diálogo necessário sobre o desenvolvimento da democracia na região asiática.
Senhor Presidente da República, Dr. Susilo Bambang Yudhoyono, agradeço a honra que me foi concedida para participar novamente neste Fórum e congratulo-o quer pela excelente organização, quer pela actualidade do tema escolhido. Este Fórum constitui-se como uma oportunidade para dar voz a toda uma região, cujos países alcançaram e praticam a democracia, por vezes de forma bastante diferente, mas que partilham um ideal comum de democratização e desenvolvimento.
A encantadora ilha de Bali, ao acolher estes encontros anuais, está a ser palco de projecção de uma comunidade que comunga os valores da paz, da não-violência, da tolerância e da democracia, cujo impacto tem vindo a transcender os países envolvidos, e a própria região asiática, para se tornar mundial.
E isto, Senhoras e Senhores, só é possível graças ao empenhamento e à visão da liderança indonésia.
Aproveito ainda a oportunidade para apresentar as mais sentidas condolências ao Povo Indonésio pelas centenas de vítimas resultantes dos recentes terremotos e tsunami e, pior ainda, da actividade do vulcão do Monte Merapi. Estas tragédias naturais que provocaram sérios danos físicos e materiais, recorrentes neste país vizinho e amigo, chocam e entristecem o Povo timorense que permanece solidário nestes momentos de dor e dificuldades.
Excelências,
Não é novidade que Timor-Leste é o País mais jovem aqui representado e, portanto, a mais jovem democracia.
Assim, desde que alcançámos a Independência há oito anos atrás, e à semelhança de outras democracias modernas, começámos a praticar eleições regulares, implementámos processos de “checks and balances”, desenvolvemos medidas de combate à corrupção e promovemos uma política de boa governação. Ainda há 2 dias atrás, todos os Órgãos do Estado, com a Comissão Anti-Corrupção e a Sociedade Civil, funcionários públicos, polícia, militares e confissões religiosas, participaram num Seminário para uma reflexão conjunta sobre o papel de cada componente da sociedade no combate à corrupção.
Temos vindo também a incentivar a Sociedade Civil, e todos os cidadãos no geral, a participar de forma mais activa na esfera política e nas tomadas de decisão do Estado, assim como a capacitar e a incentivar a média nacional a ter um papel mais interventivo, mas responsável, na nossa sociedade.
Mas, ainda assim, não nos podemos considerar satisfeitos com os progressos alcançados, porque o nosso Povo ainda não sente os efeitos reais e concretos da democracia.
E porquê? Porque sem o verdadeiro desenvolvimento económico e social da Nação, a democracia não passa de um conceito abstrato. E quando não há desenvolvimento económico, não haverá paz porque os desequilíbrios sociais provocarão tensões, por vezes violentas, que desestabilizam o país e distorcem a democracia.
Por outro lado, o que tem condicionado, ou o que condicionou no passado muito recente, o desenvolvimento de Timor-Leste, foram os focos de instabilidade e conflito que consumiram as energias, que seriam necessárias para construir o País, e desperdiçaram tempo, recursos humanos e meios financeiros tão necessários para investir nos sectores produtivos do país.
E esta não é, infelizmente, uma situação exclusiva a Timor-Leste. É, aliás, partilhada por vários países, em vários continentes; países onde a pobreza generalizada, o conflito latente ou a situação de trauma e pós-conflito, são denominadores comuns.
Estas Nações são aquelas que, assim como Timor-Leste, são ainda denominados de LDCs, o que significa, ainda no “patamar dos Estados frágeis” e que servem os recentes paradigmas de “construção da paz” e “construção do Estado”.
São Estados que têm por resolver problemas ardilosos como a corrupção, as injustiças sociais, a insegurança e a instabilidade política, económica e social.
Excelências
Senhoras e senhores,
Timor-Leste teve a honra de acolher, no passado mês de Abril, o Diálogo Internacional sobre a Construção da Paz e a Construção dos Estados, com a participação daquele a que chamamos o nosso “g7 plus”, como anunciei aqui no Forum do ano passado. E este grupo inclui países como o Afeganistão, a República Central Africana, a República Democrática do Congo, o Haiti, a Costa do Marfim, a Serra Leoa, o Burundi, o Chade, o Sul do Sudão, o Nepal e as Ilhas de Salomão.
Para além de aprendermos imenso com a partilha de experiências destes Estados frágeis, este Diálogo permitiu ainda que este grupo fosse ouvido, a uma só voz, pela Comunidade Internacional, considerando que por vezes a assistência internacional não é apropriada às reais circunstâncias destes países.
A Declaração de Díli, que saiu deste encontro, prometeu um mais forte apoio à institucionalização do “g7+” enquanto fórum permanente para unir Estados frágeis, num espírito de solidariedade e amizade, e para permitir uma melhor preparação nas discussões internacionais com os parceiros de desenvolvimento, de forma a melhorar os princípios para o bom envolvimento internacional em situações e Estados frágeis.
E, senhoras e senhores, o encontro de soluções para resolver os problemas destes países ainda numa situação débil, é um passo muito importante para a promoção da estabilidade e da paz mundial. Timor-Leste orgulha-se de fazer parte deste processo e de ter sido escolhido para liderar e co-presidir este “Diálogo Internacional”.
Timor-Leste tem participado em várias reuniões, tanto em África como na Europa, debatendo as questões ligadas aos LDCs.
Devo ainda informar, com orgulho, que, no passado mês de Setembro, nos corredores de Nova Iorque e durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, o nosso Presidente da República, Dr. José Ramos Horta, presidiu a reuniões deste grupo, onde o ‘g7+’ se alargou para 17 países. O nosso Presidente da República anunciou ali também uma participação financeira de Timor-Leste para o estabelecimento de um Secretariado para o grupo.
Excelência Senhor Presidente da República da Indonésia
Excelências,
A construção de um Estado é um processo que está inter-relacionado com a construção da Paz. A construção da Paz só é sólida quando a construção do Estado é forte. Todos sabemos que nem mesmo nos países desenvolvidos existe a democracia perfeita. No entanto, nos LDCs o desafio da democracia é ainda maior; podemos mesmo dizer que não basta querer, é preciso poder viver em democracia!
A complexidade de transferir a autoridade para um Povo que nunca soube o que é ter o privilégio de poder decidir sobre os seus destinos, é bem maior do que daquilo que aparentemente pode parecer.
Construir um Estado democrático, com a participação de todos, em sociedades que desconhecem o que é ser-se livre da miséria, da fome ou da ignorância, em sociedades em que os conflitos podem surgir por simples motivos como o acesso à água, aos alimentos, às terras, à educação ou aos cuidados de saúde básicos - é um desafio tremendo!
Para implementar os sistemas e processos democráticos com sucesso, para retirar um país de situações de instabilidade, é preciso que em primeiro lugar haja espaço para uma mudança de mentalidades. É necessário educar o Povo: de preparar e instruir as pessoas a participar nos destinos da Nação.
Com um Povo impreparado, os líderes, ou aqueles que são afortunados com mais conhecimentos ou acesso a mais e melhores recursos, podem assoberbar o poder e conduzir a despotismos.
É absolutamente necessário, portanto, respeitar os tempos e as circunstâncias próprias de cada sociedade, o tempo necessário para assimilar os valores democráticos. É este o nosso verdadeiro desafio comum, uma vez que não existem duas culturas ou circunstâncias idênticas.
Excelências
Senhoras e senhores,
Felizmente na região asiática temos vários exemplos de casos de sucesso de países em processo de transição. É com humildade e admiração que Timor-Leste observa o Século Asiático.
A Indonésia tem sido uma referência de sucesso para Timor-Leste, no que respeita às suas reformas institucionais e políticas, pela capacidade de implementar uma cultura de tolerância e unidade, sobretudo num país em que predomina a diversidade, e também pelo contínuo processo quer de crescimento económico, quer de democratização. Este é um modelo que tem vindo a ser seguido em Timor-Leste e acredito que também noutros países, que não só asiáticos.
Ainda no contexto da região também não nos deixamos de surpreender com o caso da China, este nosso grande parceiro de desenvolvimento. Esta gigante economia emergente tem vindo a assumir um papel central na economia mundial, sendo que, mesmo durante a crise financeira global - da qual muitas economias estão ainda por recuperar, o crescimento económico da China permaneceu quase intocável.
O facto de a China estar ainda disposta a investir em grandes projectos em países em desenvolvimento, não apenas na Ásia mas em todo o mundo, pode vir a ser uma alternativa para um crescimento económico generalizado. Disse alternativa, porque os critérios dos fundos do MCC (Millenium Challenge Corporation) têm sido inatingíveis aos países em desenvolvimento, já que os condicionalismos, a que o apoio está sujeito, não ajudam em nada os países pobres, com problemas sociais muito mais graves do que os doadores podem imaginar. E quando a ajuda chega, só 20%, se tanto, chega a ter impacto real nas populações. Outros exemplos desta região, a que Timor-Leste tem o orgulho de pertencer, enchem-nos de esperança de um futuro mais responsável e livre de guerras e violências. O Japão, por exemplo, que tem vindo a estabelecer uma firme democracia, marcada pela prosperidade e pelo respeito pela vida humana, contribuindo para a difusão de uma cultura de paz mundial, é um doador que sabe assumir a responsabilidade de investir em infraestruturas económicas nos países pobres.
Não posso ainda deixar de referir, com grande satisfação, os progressos recentes em Myanmar, que conduziram à libertação da líder da oposição e laureada do Prémio Nobel da Paz, a Senhora Aung Sang Suu Kyi – um passo decisivo no desenvolvimento cabal da democracia deste país.
A República da Coreia tem sido um grande amigo de Timor-Leste que nos tem ajudado a construir a nossa Nação. Acompanhamos com apreensão as tensões na península coreana, que ameaçam a estabilidade da nossa região, apelando para o diálogo e a resolução pacífica dos conflitos latentes, acreditando que com responsabilidade e altruísmo, irá ser encontrada uma solução pacífica que passe, nomeadamente, pela desnuclearização desta nossa península vizinha.
Excelências
Senhoras e senhores,
Infelizmente, tal como muitos de nós sabemos, é muito mais fácil entrar em conflitos do que sair deles. É mais fácil fazer a guerra do que fazer a Paz.
A guerra concentra todas as nossas energias e todos os nossos esforços num só objectivo: aniquilar o inimigo. Já a Paz exige consensos e reconciliação, exige a integração de aspirações de muitos no desenvolvimento e implementação de uma visão comum a longo prazo.
A Paz exige ainda sacrifícios, colocando os interesses colectivos acima dos interesses individuais. A Paz e a estabilidade requerem paciência, capacidade para perdoar e confiança. Mais importante ainda, a Paz e a Estabilidade requerem uma liderança forte e compassiva.
Timor-Leste está verdadeiramente empenhado em participar no diálogo e na cooperação regional que promovam um maior investimento na paz e na estabilidade.
Vive-se neste momento um período, em Timor-Leste, de franca estabilidade, segurança e crescimento económico, que nos dão o alento e as condições necessárias para participar mais activamente no desenvolvimento da região.
Sem olharmos às nossas diferenças geográficas, culturais, históricas e ideológicas, e ao reunirmos em Bali pela terceira vez, temos vindo a reforçar o compromisso de construir capacidades e mecanismos partilhados, que sirvam os interesses de cada um dos nossos Povos.
É também neste sentido que queremos entrar na ASEAN. Reconhecemos, com humildade, que, em muitos aspectos ainda não estamos preparados devidamente para sermos um membro realmente efectivo da ASEAN. Mas, seria para todos os timorenses um motivo de grande satisfação que o nosso pedido oficial de adesão à ASEAN fosse admitido durante a presidência indonésia, em 2011.
A adesão durante este mandato revestir-se-ia de grande simbolismo e significado não só para Timor-Leste e para a Indonésia, como acredito para todos os membros desta associação regional.
Estamos cientes de que, do ponto de vista geopolítico e geoestratégico, a nossa adesão pode contribuir para garantir a segurança e estabilidade regional, ou seja, mais do que benefícios no contexto económico, a entrada na ASEAN representa para Timor-Leste uma oportunidade de ser um agente activo promotor da Paz e Estabilidade regional.
Pretendemos entrar no espírito comum que levou à criação da ASEAN e queremos que as futuras gerações de timorenses contribuam para uma nova ordem mundial, também política e económica, em que a democracia seja usada para dar voz aos fracos e vulneráveis,e onde os conflitos e a discórdia sejam substituídos pelo diálogo.
A secular civilização asiática que com as suas tradições e conhecimentos enriqueceu todo o mundo, tem agora a responsabilidade e a liberdade de construir um futuro de diálogo, constante e exigente, para a paz e estabilidade.
É, precisamente, por isso, que estamos hoje aqui e pela terceira vez consecutiva!
Muito obrigado!
Kay Rala Xanana Gusmão
9 de Dezembro de 2010
)* REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE. GABINETE DO PRIMEIRO-MINISTRO ALOCUÇÃO DE SUA EXCELÊNCIA O PRIMEIRO-MINISTRO DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE KAY RALA XANANA GUSMÃO POR OCASIÃO DO III FÓRUM SOBRE DEMOCRACIA EM BALI
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