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20090322

Discurso do Bispo Emerito de Dili, D. Ximenes Belo no Encontro de Quadros Timorenses em Coimbra

Por Dom Carlos Filipe Ximenes Belo


Ex.mº senhor Encarregado de Negócios da República Democrática de Timor-Leste em Lisboa; Ex-mº senhor embaixador de Timor Leste junto da CPLP;
Ilustríssimo senhor presidente da Associação Timorense;
Ilustríssimo senhor Presidente da Associação Académicos de Coimbra, e Presidentes e membros das demais Associações;
Caros universitários timorenses;
Mun Alin inan feto sira;
Minhas senhoras e meus senhores;

A todos endereço as minhas cordiais saudações. Constitui para mim um prazer estar a conviver convosco neste dia, e convosco repensar na construção da nossa querida Pátria, Timor Leste. Os organizadores deste encontro pediram-me para desenvolver o Tema da Paz e do Desenvolvimento em Timor.

1. A República Democrática de Timor Leste proclamou unilateralmente a sua independência, a 28 de Novembro de 1975, em vésperas da iminente invasão das forças armadas da Indonésia, invasão essa que veio a verificar-se no dia 7 de Dezembro daquele fatídico ano. A Restauração (Declaração) da mesma independência, feita a 20 de Maio de 2002, depois participação massiva de todos os Timorenses no Referendo de 30 de Agosto de 1999, que a desejaram e legitimaram essa independência com o seu voto, e depois de obtido o apoio da comunidade internacional, foi uma declaração que culminou depois de 24 anos de luta, sofrimentos, de fome, de doenças e de morte de um terço da população timorense.

Todos nós esperávamos que depois de 20 de Agosto de 2002, Timor Leste iria viver um período de paz, de desenvolvimento, de progresso e de bem-estar. Mas, infelizmente, estes primeiros seis anos de independência efectiva não trouxeram a verdadeira paz e justiça para todos os timorenses. De facto verificamos que apesar de todo o esforço de implementação de um Estado de direito, da construção de um país democrático, a construção do bem comum, apesar disto tudo, continua a existir antinomias que dificultam que a paz e a justiça reinem verdadeiramente em Timor. Ficamos independentes politicamente, mas permanecemos dependentes e escravos dos nosso vícios ancestrais: ódios, invejas, violência, divisões, sede do ter e do poder, falta de maturidade política, falta de cultura de paz, cultura de cidadania, cultura de diálogo, de tolerância, de perdão. Falta-nos ainda a perseverança e o gosto pelo trabalho, pelo estudo. Invadiu-nos e invade-nos o desejo de obter tudo num só dia: dinheiro, habitação, emprego, desenvolvimento económico e social, fama, nome e felicidade. Podemos afirmar que a independência não é uma meta final, um edifício já acabado, mas uma realidade a ser construída dia pós dia, com sacrifício, perseverança, generosidade e a firme vontade de todos os Timorenses. Diziam os nosso guerrilheiros: “A Luta continua…”. Pois a construção de um Timor livre, soberano e independente não acabou, por isso, a Luta continua. Não já uma luta com armas brancas ou convencionais, mas com as armas da inteligência, da vontade, da capacidade de respeitar os direitos humanos e de trabalhar para o bem comum de todos os Timorenses. Luta contra o analfabetismo, a iliteracia, intolerência, contra a preguiça, do ganho fácil, do sucesso fácil, contra o pessimismo, o desânimo, etc. etc.

Se olharmos para o nosso passado, para a nossa história como povo nos últimos quinhentos anos, repararmos que ao longo da história, apesar de sermos um povo pequeno, e para mais divididos em pequenos reinos, com costumes semelhantes mas com línguas diferentes, (os entendidos no passado chegaram a registar 33 dialectos), que nossos antepassados andavam em contínuas conflitos e guerras. O que levou a Afonso de Castro governador de Timor entre 1859 a 1862, a afirmar que “a guerra fazia parte do dia do indígena, ou que o indígena está tão arreigado à guerra, que não pode viver sem ela”.

Já em 1811, nas suas recomendações ao Governador Vitorino Freire da Cunha Gusmão, o Conde Sarzedas, Vice-rei da Índia, falando de 64 reinos existentes em Timor dizia: “A Província dos Bellos compreende 46 reinos, de maior e menor poder, mas todos livres e independentes entre si, e terão alista mandada extrair entre 1722 e 1725, 40 mil de armas, 3.000 espingardas e os mais de espada, rodelas, zagaias e arcos e frexas. A província de Servião te 16 reinos (…) terá 25.000 homens de peleja, 2.000 de espingarda, e os restantes de zagaias, arcos e frexas e espadas e rodelas”. (Doc. P.151).

Praticamente durante os 4 séculos de convivência com os Portugueses, nunca em Timor se registou um século de tempo de paz. No século XVII, houve conflitos entre os reinos por causa do comércio de sândalo, de cera, e de escravos. Em 1640, deu-se a invasão do Imperador Carriliquio de Talo, Celebes (Sulawesi), que depois de meses de ataque às povoações marítimas de Timor, fez 4 mil escravos. Em consequência desse ataque, responderam os portugueses (Frades e mosqueteros) destruindo o reino de We-Hali.

No segundo quartel do século XVIII, deu-se a famosa guerra de Cailaco que durou quase 50 anos (1719-1760). Ao longo do século XIX, registaram-se várias rebeliões contra a soberania portuguesa. Já no fim do século o governador José Celestino da silva conseguiu impor a pacificação (Ver René Pelissir, Timor en Guerre: Le Crocodile et les Portuguais (1874-1913); o romance Ana Joana, a Batalha das Lágrimas). O século XX: a guerra de Manufahi (1911-1912) comas de 4 mil vitimas; (ver Jaime do Inso, Timor 1912); a ocupação japonesa (1942-1945) com mais de 60 mil mortos. A revolta de Viqueque e Watolari (1959). Ocorre este ano o quinquagésimo aniversário desse acontecimento, cuja história está ainda por se escrever…

A invasão indonésia e consequente ocupação (1975-1999). Sem dúvida muitos dos conflitos eram entre os Timorenses e as potências coloniais e /ou estrangeiras. Mas também havia conflitos entre os timorenses; vários os motivos: o roubo do gado, a ocupação de propriedade, o rapto de princesas, etc. (ver o Livro do Padre José Bernardino Rodrigues, o Rei de Nari, 1961).Todo este passado criou nos timorenses uma mentalidade de ódios, vingança, de conflitos e de guerra. Por isso, sem querer cantamos: “horu uluk hori wain, timor oan assuwain”. Os acontecimentos de 2006 e o “11 de Fevereiro” de 2008 devem alertar-nos para uma educação contínua para os valores da paz, da justiça, da democracia e dos direitos humanos.

2. ”Pensar a Paz é Pensar Numa Sociedade Justa”, constitui e representa a nossa maior luta nos dias que correm. Como vimos sucintamente a história passada do nosso povo, o fenómeno da guerra contribuiu para a perda de vidas, de bens e do atraso económico e social do nosso povo.

“Não matar” é a ordem dada por Deus ao homem e é da ordem natural. Mas o homem desde sempre quebrou este preceito. A guerra é a violação mais atroz e universal das leis da convivência humana. A história humana é a história de tantas guerras. A guerra é um flagelo e não representa nunca um meio idóneo para resolver os problemas que surgem entre as nações. “Nunca foi e jamais será porque gera conflitos novos e mais complexos. Quando deflagra, a guerra torna-se uma carnificina inútil, uma aventura sem retorno, que compromete o presente e coloca em risco o futuro da humandiade” . O Papa João XXIII, dizia: “ Nada se perde com a paz; mas com a guerra, tudo pode perder-se” (Pacem in Terris, 288). Vamos, portanto, cultivar a paz, e espalhar as sementes de paz nos vales, planícies e montanhas de Timor Loro Sa’e.

Ma o que é paz? A palavra portuguesa PAZ, a inglesa “peace”, a francesa “paix”, a espanhola “paz”, a italiana “pace”, provem da palavra latina “pax, pacis,” e o seu correspondente em hebraico é Shalom. E shalom deriva da raiz shelemut, que significa plenitude, perfeição. Na Bíblia a palavra shalom aparece sempre associada a hum estado de harmonia, tranquilidade e prosperidade. Shalom significa ainda bênção, manifestação da graça divina. Está também ligada à ausência de guerra e sugere um estado de ordem e tranquilidade. Santo Agostinho, um bispo do século IV, definia precisamente a paz como a “tranquilidade na ordem”. A paz não é unicamente ausência de guerra, nem se reduz a um mero equilíbrio de forças adversas, nem provém de um domínio despótico, mas define-se com razão e propriedade, obra da justiça. ´E fruto de uma ordem inscrita na sociedade humana por Deus.

Segundo alguns historiadores, o conceito de “Pax”, vigente no Império romano, indicava o período em que, a nível interno, não haveria guerras nem conflitos. Essa situação de ordem e tranquilidade nos domínios romanos, denominava-se “Pax Romana”. Ligada ao conceito de “pax”, os romanos cultivavam outros conceitos abstractos como concórdia, honor, fides, virtus, visctoria.

O papa Paulo VI (163-1878), de feliz memória, deu um novo nome à Paz. Dizia ele que o “novo nome da paz é o desenvolvimento”. Nesta perspectiva, a paz significa a erradicação de injustiças e desigualdades de ordem economia e social, erradicação de invejas, de desconfiança e de orgulho que grassam entre os homens e nações e que são uma constante ameaça à paz. E Concílio Vaticano II, na Gadium et Spes, afirma: “ as instituições da comunidade internacional devem, cada um a seu modo, prover as necessidades das pessoas e dos povos, tanto no sector da vida social a que pertencem a alimentação, a higiene, a educação, o trabalho, como em algumas condições, como por exemplo a necessidade geral de fomentar o progresso das nações subdesenvolvidas, ir o encontro das necessidades dos refugiados dispersos pelo mundo inteiro, ou de ajudar os emigrantes e suas famílias” n.85).

Como dissemos acima, a paz é fruto da justiça. De facto, por trás de cada conflito pode-se notar facilmente uma drástica negação da justiça. A exigência da justiça aumenta no mundo actual e a resposta a tal exigência, ou não chegam ou chegam muito lentamente. “Não atender a tal exigência poderia propiciar o irromper duma tentação de resposta violenta, por parte das vítimas da injustiça, como acontece na origem de muitas guerras. As populações excluídas da partilha equitativa dos bens, destinados originariamente a todos, poderiam perguntar-se : por que não responder com a violência a quantos são os primeiros a tratar-nos com violência?” (João Paulo II, Sollicitudo Rei Socialis 10, 2). A injustiça nasce da falta de respeito pela dignidade da pessoa e elo desprezo dos seus direitos fundamentais. Desprezar a pessoa humana é prepará-la para o conflito. A justiça fundamenta-se no respeito pelos direitos humanos. Justiça e paz não são conceitos abstractos nem ideais inacessíveis, são valores inseridos no coração de cada pessoa, como património comum. Indivíduos, comunidades, nações são chamados a viver em justiça e a trabalhar para a paz.

A pobreza extrema, onde quer que ela surja, é uma injustiça primordial. A sua eliminação deve permanecer como uma prioridade tanto ao nível nacional como internacional. “…Não se pode tolerara um mundo onde vivem lado a lado super-ricos e miseráveis, pobres privados mesmo do essencial e gente que esbanja desenfreadamente aquilo que outros têm desesperada necessidade. Tais contrastes são uma afronta à dignidade da pessoa humana” (João Paulo II, Mensagem Dia Mundial da Paz, 1988, n 4). Os povos em vias de desenvolvimento a viverem em pesada pobreza, sofrem não só de uma economia negativa, mas também de analfabetismo, de inabilidade para participarem na construção da sua terra, de exploração nos sectores económico, social e político. O seu direito a iniciativas económicas ficam sem capacidade para explorar os próprios recursos e desenvolver as tecnologias, a fim de alcançarem a um desenvolvimento económico próprio. A dependência cresce e a igualdade de cada um na sociedade diminui. Gradualmente, um partido político usurpa o papel de guia, tornando os indivíduos meros objectos. Os direitos humanos passam a ser espezinhados. O subdesenvolvimento causa tensões internas num país, criando-se, assim, pouco a pouco, situações de conflito.

3. A educação para a Paz: A primeira iniciativa para prevenir a guerra é a educação para paz. Deve-se iniciar este processo, começando na família e continuando na escola. Cada estado verdadeiramente amante da paz tem de insistir na formação dos seus cidadãos para a paz. Esta educação deve passar a englobar todos os sectores da sociedade. A educação para a paz é uma educação que deve mostrar outra visão da guerra, com o fim de evitar que o fenómeno bélico seja considerado como algo normal. Mas que há outras soluções alternativas não violentas. A educação para a paz deve ser um esforço para consolidar uma nova maneira de ver, entender e viver o mundo, começando pelo próprio ser e continuando com os demais, horizontalmente, formando uma rede, dando confiança, segurança, autoridade às pessoas e às sociedade, fazendo intercâmbios, superando desconfianças, ajudando a mobilizar e superar as diferenças.

A educação para a paz é uma educação para a cidadania global, e isto implica favorecer a compreensão da interdependência global e os laços entre as zonas mais ricas e as mais pobres. É uma educação que promove o multiculturalismo, o conhecimento da diversidade social e cultural desde a sua própria percepção superando o racismo e a xenofobia.

A educação da paz deve ser uma tarefa de todos. Em primeiro lugar a tarefa do Estado. Trata-se da defesa dos valores democráticos e da boa governação a partir de promoção de uma boa política educativa que contemple os valores da paz, solidariedade e justiça social. Na educação formal, deve-se promover um currículo que favoreça uma maior compreensão das raízes da violência. Para isso, é necessário melhorar as formação de docentes, os planos de estudos, os conteúdos dos manuais e cursos e de outros manuais pedagógicos como as novas tecnologias.

Em 1974, a UNESCO publicou uma recomendação sobre a educação para a compreensão e a educação relativa aos direitos do homem e à liberdade fundamentais. Na recomendação 33, apresentaram-se os objectivos que deveriam ser considerados como ‘princípios directores´ da política de educação de qualquer Estado:

  1. Uma dimensão internacional e uma perspectiva mundial da educação a todos os níveis e sob todas as formas;
  2. A compreensão e o respeito de todos os povos, das suas civilizações, dos seus valores e dos modos de vida, incluindo as culturas das etnias e de outros nações;
  3. A consciência de interdependência mundial crescente dos povos;
  4. A capacidade comunicar com outros povos;
  5. A consciência não só dos direitos, mas também dos deveres que os indivíduos, os grupos sociais e as nações têm uns para com os ouros;
  6. A compreensão e a necessidade da solidariedade e da cooperação internacionais;
  7. A vontade, nos indivíduos de contribuir para resolver os problemas das suas comunidades, dos seus países e do mundo” (Conferencia Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação. A Ciência e a Cultura, Paris, 17 a 23 de Outubro de 1974, p.34).

4. Educação para a Cidadania. A crescente globalização, quer da economia, da cultura e do mercado, quer das estruturas politicas regionais ou mundiais, tem vindo a descarecterizar os modelos nacionais, com as respectivas filosofias na política da educação. A escola é solicitada a incluir uma educação de cidadania que extravasão espaço nacional e se assume cada vez mais global. Naturalmente a educação para a cidadania para ser compreensiva terá de ser ter estas dimensões: educação para a cidadania nacional; educação para a cidadania regional (educação europeia, africana, americana ou latino-americana, asiática, e educação para a cidadania mundial.

Assumindo-nos como cidadãos do mundo, como membros da Família das nações ou da humanidade, podemos apontar os seguintes temas a serem transmitidos nas famílias, escolas e na sociedade civil:

    - a defesa do planeta e doa ambiente; a paz universal, o desenvolvimento económico, cientifico e técnico aos serviço de todos os homens;

    - a igualdade entre homens e mulheres;

    - a tolerância e o combate contra a exclusão, o racismo, a xenofobia, o fanatismo religioso;

Resumindo, esta educação para a cidadania global, incluiria estas vertentes:

  1. Educação para a cidadania s democrática, centrada no valor da pessoa humana e na sua dignidade;
  2. Educação para a cidadania social: isto é, agir em defesa dos mais fracos e carenciados, o que significa a realização da justiça social;
  3. Educação paritária, visa a defender a igualdade entre o homem e a mulher, igualdade de direitos e deveres;
  4. Educação para a cidadania intercultural, equivale impulsionar o diálogo entre as culturas, o diálogo entre as religiões;
  5. Finalmente, uma educação para a cidadania ambiental que vise a qualificação total do ecosistema e na sua preservação, e aponta para estratégias de desenvolvimento sustentável que venha a ter um rosto verdadeiramente humano.

Caros compatriotas “maun alin no ina feto sira”: falamos da paz e da justiça, da educação para a paz, direitos humanos, democracia e da cidadania e do diálogo a serem implementados na nossa Pátria. Mas quem é que os vai implementar? Todos nós: os nossos compatriotas que estão lá em Timor, no Território, e os que estamos no Estrangeiro. Em qualquer ponto do mundo onde nos encontrarmos, quer como estudantes, como trabalhadores, como famílias ou como indivíduos, a construção da Pátria deve constituir a nossa contínua preocupação. E nesta tarefa ingente, exige-se da parte de cada um de nós o sermos perseverantes no trabalho, no estudo, cultivando unidade, respeito, tolerância e um grande sentido de patriotismo para podermos tirar o país do grau da pobreza em que se encontra.

A Luta da consolidação da democracia, do estado de direito, da paz, da justiça e da fraternidade nunca e uma tarefa acabada. Por isso, mesmo depois de seis anos de independência, podemos ainda gritar bem alto: Maun alin inan feto sira: A Luta continua!...

A todos bem-hajam!

Coimbra, 14 de Março de 2009

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